Técnica ganha amplitude, com cada vez mais cães certificados, e por vezes, se mostra mais eficiente que a varredura no resgate de pessoas e animais desaparecidos

Dotados de milhões de células olfativas, cães são parceiros estratégicos de bombeiros e policiais na solução de casos de desaparecimento, seja através da técnica de varredura – em que o cão busca qualquer odor, mesmo que não encontre nenhum rastro –, seja pelo mantrailing, que consiste na identificação do odor de uma pessoa através das partículas que se desprendem do corpo – e que vem ganhando destaque em diversas regiões do país. Também conhecida como busca por odor específico, a metodologia consiste na coleta do odor do desaparecido, seguida da apresentação de um artigo com esse odor ao cão. “O animal trabalha com um peitoral e uma guia longa e, após ter o odor apresentado, segue o caminho (rastro) feito pela vítima, mesmo com uma distância grande e um longo tempo de envelhecimento da trilha (de semanas, por exemplo)”, explica Jacques Douglas Romão, 3º Sargento do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina, que, em 2022, conseguiu a Certificação Nacional de Cães de Resgate com seu parceiro Fogo, primeiro cão de odor especifico certificado e apto para atuar na busca de pessoas perdidas em Santa Catarina.
Romão conta que o caminho até a certificação foi longo. Começou com o convencimento da sua Coordenadoria de que a técnica seria útil para o serviço. Depois, vieram a pesquisa das principais raças empregadas na técnica, a escolha do Rastreador Brasileiro e a busca por um criador, que ele achou em Sacramento-MG. “Na primeira vez que fui à cidade, fiquei uma semana para conhecer a ninhada do canil Serra da Canastra e ver quais filhotes tinham maior predisposição para a busca. Dois meses depois, voltei para buscar o Fogo”, conta. “Ao retornar a Santa Catarina, entrei em contato com o Cabo Fietz, da Polícia Militar e que na minha opinião é referência no emprego de cães na técnica de odor específico, pedi que fosse meu orientador e fui prontamente atendido”, lembra. Foram 18 meses de preparo para aprova de certificação, e hoje Fogo trabalha na busca de desaparecidos quando a equipe de cinotecnia de Blumenau, SC, é acionada.

Fogo, da raça Rastreador Brasileiro
PARTICULARIDADES
Para maior possibilidade de êxito na busca por desaparecidos, pode-se optar por fazer o deslocamento utilizando-se as técnicas de odor específico e de varredura de área. Romão explica que, na varredura, o cão trabalha sem guia e sai em busca de partículas de odor soltas no ambiente. “Ele não sabe quem é a pessoa que está buscando. Mas a técnica tem eficiência enorme porque, além de localizar o desaparecido, conseguimos o descarte de área, pois, se o cão treinado não mudou o comportamento naquela área, ali não tem mais vítima”, descreve.
Já o cão de odor específico trilha somente se encontrar aquele odor no chão ou no ar. “A principal vantagem é que, se não há o odor da pessoa, o cão não trilha. Às vezes, chegamos na ocorrência e a área já está muito ‘contaminada’, porque muita gente já andou por ali. Então é necessário o cão trilhar de fato no odor que foi apresentado a ele”, esclarece Eduardo Santos Silva, 2º tenente do Corpo de Bombeiros Militar do Acre, que trabalha com Hunter, um Rastreador Brasileiro de 3 anos que, com 1 ano e meio, conseguiu a certificação e hoje já tem ‘herdeiros’ em treinamento para odor específico em Rondônia e Alagoas.
Vale destacar que muitas vezes é preciso trilhar uma boa distância para achar o desaparecido. A Guarda Civil Municipal Janete Aparecida Bueno, de Atibaia, SP, conta que seu cão Airumã – um Rastreador Brasileiro de 4 anos certificado que foi treinado pela GBR Ana Beatriz, nível três em mantrailing – já percorreu uma distância de 18 km, em revezamento com uma cadela, até localizar um jovem com transtorno psiquiátrico que estava perdido havia 10 dias. “Quando ele viu a gente, sentiu medo, mas depois de explicarmos que o levaríamos para casa, ficou muito feliz e emocionado”, lembra Janete. Ela conta que Airumã é bastante sensível: “acho que tudo isso que a gente sente numa busca real a gente acaba transmitindo para ele. Inclusive, é bem engraçado, porque às vezes estamos em treino e parece que ele vai meio com preguiça, que ele não leva a sério. Mas, quando é uma busca real, ele se entrega de uma forma incrível. Pode até cruzar com outros cães na rua e não se distrai porque está muito focado no trabalho”.


Airumã. Ao lado, cão recebendo moção honrosa na câmara municipal por ter salvado
a vida de um senhor desaparecido
TREINAMENTO E PROVA
Para se atingir esse nível de foco e determinação, muito treino é necessário. E sempre sem forçar. “Usamos somente métodos motivacionais, até porque não existe a possibilidade de utilizar forçamento com cães farejadores. Se ele não quiser ‘brincar’ de farejar, não vai participar do jogo. Tudo é baseado em estímulos positivos”, relata Jorge Pereira, fundador da empresa Unidade k9 Internacional e membro do Comitê Internacional de Busca e Resgate. O profissional conta que trabalha com vários parâmetros que garantem a segurança física e psicológica do cão. “A gente faz a socialização dele, levando-o a vários lugares. Ensinamos ele a andar em aeronaves e veículos, para que, quando houver necessidade de deslocamento, sofra o mínimo estresse possível e sinta prazer em fazer isso”, exemplifica Jorge.
Alexandre Duarte de Barros, sargento no canil do Batalhão de Choque da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, já treinou dois cães com essa metodologia e conta que, entre as etapas de treinamento, estão também a ambientação, trilhas visuais e olfativas, diversificação de trilhas (observando clima, vento e terreno), aumento do tempo de envelhecimento de trilha e distância da trilha, inserção de figurantes contaminadores e line-up (para confirmar a identificação de odor específico e localizar o indivíduo cujo odor foi apresentado).

k9 Internacional, e seu Rastreador Barão
Passado todo o período de treinamento, o cão é submetido à prova de certificação – desde que já tenha pelo menos 18 meses de idade. Romão conta que a prova contém uma parte de obediência e destreza mínima e duas buscas. “Uma é chamada de negativa: em que o cão precisa descartar uma área sem odor da vítima ou dizer até onde a vítima andou e depois foi retirada do local da busca. E a segunda parte consiste na busca de uma pessoa, onde o cão, após a apresentação do odor, precisa seguir exatamente o caminho feito e chegar no local exato após um envelhecimento da trilha de no mínimo 24 horas”, diz o sargento.
Ainda segundo ele, “conseguir certificar um cão é uma tarefa bem difícil, porém prova de certificação nenhuma se compara à dificuldade de uma ocorrência real”, ressalta Romão.

RAÇAS IDEAIS
A preferência pelo Rastreador Brasileiro se justifica: “ele é um cão mais esguio, ótimo farejador, com excelente capacidade olfativa, provavelmente com melhor nível de cognição e melhor possibilidade de associação de estímulos, entre outros diferenciais”, afirma Alexandre. Já Eduardo destaca a resistência, concentração e boa sociabilidade da raça: “tem ótimo temperamento e relacionamento muito bom com as pessoas”. Janete cita, entre as vantagens, o porte do cão, suas pernas compridas, focinhos longos e orelhas grandes e resistentes. Romão conta que teve dúvida entre o Rastreador e o Bloodhound: “ambas as raças fazem o rastro naturalmente e, apesar de o Bloodhound ser a opção mais utilizada em virtude de sua incrível capacidade olfativa, o fator que me fez optar pelo RB foi sua rusticidade e capacidade de se adaptar aos extremos climáticos, já que sou de Santa Catarina”. Outras raças utilizadas são Pastor Belga Malinois, Braco Alemão e Labrador.
Jorge Pereira, que também é protagonista da série Radar Pet, exibida no canal National Geographic, conta que, quando a busca é por animais de estimação perdidos, a preferência é para os cães do tipo Hound, porque, além de terem uma sensibilidade maior a material orgânico, eles têm a predisposição genética do rastreio. “Isso facilita muito, porque quando um animal está perdido, os sinais que facilitam seu resgate são o toque das patas, o suor, a urina e a saliva. E a gente treina esses cães para reconhecer essas marcas no ambiente”. Com seu cão Barão, Jorge já encontrou mais de mil pets perdidos.
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Por Lila de Oliveira
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