Adestramento positivo sem segredos: não tenha mais dúvidas

Saiba como e porque é importante adestrar um cão – e sua família – com métodos responsáveis, levando em conta o bem-estar do animal

Foto: GlobalP/iStockphoto.com

É fácil pensar que é preciso recorrer ao adestramento somente quando o seu cachorro está agressivo ou urinando e defecando em locais inadequados, ou ainda latindo em excesso. Mas profissionais da área que trabalham com o método positivo esclarecem: adestramento é comunicação. “É como se nós, adestradores, fôssemos a ponte entre o animal de estimação e o tutor, pois temos que olhar para o cão e entender o que ele precisa e também olhar para o tutor e ver o que ele precisa, fazendo a comunicação entre os dois. Comunicação é uma via de mão dupla sempre”, explica Leonardo Ogata, adestrador e cofundador da Tudo de Cão, de São Paulo. Na sua filosofia de trabalho, o adestramento não tem apenas o intuito de resolver um problema, mas sim de promover bem-estar para o cão, estimulando-o a vida toda fisicamente e mentalmente. E é justamente por este e outros motivos que o chamado adestramento positivo ganhou força entre adestradores no mundo todo e é o método mais utilizado por eles. “Estamos evoluindo na conscientização, tanto de tutores como de profissionais da área, quanto aos benefícios que o adestramento positivo traz ao cão, à família e ao próprio treinador. Tendo em mente que há uma enorme diferença entre educação e coerção, a metodologia positiva de treinamento é considerada atualizada, eficaz e ética”, aponta Ernesto Uszko, adestrador comportamentalista e fundador da Universidade Cão, de São Paulo. Ainda segundo ele, esse método de adestramento evolui constantemente, à media que a Ciência que estuda o comportamento dos animais também avança. “É nela que temos o embasamento para o uso de técnicas atuais que auxiliam os cães no desenvolvimento de suas habilidades sociais com outros animais e com seres humanos. Costumo dizer que o adestramento positivo é sistêmico e, de maneira respeitosa, busca entender o que precisa ser oferecido ou ajustado na rotina do cão para, assim, conduzi-lo ao bem-estar e ao seu controle emocional. Entender as necessidades da espécie, adequar o ambiente, ensinar e reforçar comportamentos. É um processo gradual que trabalha o relacionamento da família com seu cão por meio de uma comunicação clara, sem a necessidade de coerção ou ferramentas aversivas”, detalha Ernesto.

QUANDO A COMUNICAÇÃO FALHA

Não demorou muito para a psicóloga Carolina Jardim perceber que seu filhote de Dálmata, a Magali, ora respondia chamados, ora os ignorava, e começava a apresentar um comportamento preocupante de agitação e agressividade através de mordidas. Foi quando ela recorreu a um adestrador e com menos de três meses de idade a cachorrinha começou seu treinamento. Era 2008 e entre os métodos usados estavam o uso de enforcador e um borrifador com produto amargo para usar no focinho, mas as técnicas não surtiam muitos resultados e a pet seguia em sua “teimosia”. Foi quando a tutora levou Magali ao médico-veterinário e descobriu que ela, na realidade, era surda. Quatorze anos depois, a tutora, que hoje também é adestradora, entende o quão desastroso foi este primeiro adestramento de Magali e alguns que vieram depois, todos orientados de uma forma que não está de acordo com o adestramento positivo, que ela divulga. “Magali continuou com muitos problemas, como a agressividade e ansiedade por separação, e sei que alguns vieram dessa comunicação péssima que tivemos por um bom tempo. Hoje advogo contra este tipo de treinamento, não utilizo nada que ameaçe a confiança do animal na gente. E tenho outro cachorro surdo, o Milka. Com ele fiz tudo diferente e a nossa comunicação é muito boa, incrível”, compartilha. Graças a experiências pessoais e muitos estudos e formações na área, Carolina criou a Turma do Focinho, empresa de adestramento focada em garantir o bem-estar de cães e gatos e também se especializou no atendimento de pets surdos. “Um adestramento que utiliza métodos que não prezam pelo bem-estar do animal de estimação pode gerar um impacto negativo ainda maior no cão ou gato que já tem um déficit sensorial, porque ele já compreende o mundo de outra forma. Então, é preciso uma empatia ainda maior com eles”, aponta Carolina. Ela também alerta para a necessidade de compreensão dos tutores que cães especiais, como a Magali, precisam de cuidados e treinamento especializados, mas mesmo assim podem desenvolver um nível de comportamento compulsivo (por exemplo, perseguir luzes ou o rabo) e ansiedade.

Foto: Arquivo pessoal/ Universidade Cão
Ernesto Uszko, da Universidade Cão: “tendo em mente que há uma enorme
diferença entre educação e coerção, a metodologia positiva de treinamento é
considerada atualizada, eficaz e ética”

BENEFÍCIOS DO ADESTRAMENTO

Existem alguns objetivos mais comuns quando se busca um adestrador: ensinar o lugar certo de urinar e defecar, tratar problemas de agressividade com humanos ou outros animais, de ansiedade de separação (quando o pet fica muito agitado e/ou barulhento quando está longe do tutor), de comportamento destrutivo com objetos da casa, ou de dificuldades no passeio com a guia. Muitos destes desvios de comportamento podem ser resolvidos com um bom adestramento, liderado por um profissional qualificado. Mas como o treinamento é focado no entendimento profundo entre o animal e o humano, seus benefícios vão muito além dos citados. “No adestramento o tutor não só se faz entender, mas também entende melhor o cão. Quando existe uma boa comunicação, ela reduz em muito a chance de problemas de comportamento se desenvolverem”, completa Dante Camacho, instrutor internacional de adestramento, professor de pós-graduação em Comportamento e Bem-Estar Animal, e criador da Dante Dog Works, de São José do Rio Preto-SP. Assim, o melhor momento para começar a adestrar o seu cãozinho é o momento que ele chega em casa. “Quanto mais cedo se adestra, maior a chance de evitar que o cão desenvolva hábitos ruins e traga problemas depois”, completa Dante.
Ernesto enfatiza que, como o adestramento positivo tem como objetivo principal fortalecer as relações humano-animal e reforçar os comportamentos desejados – ao invés de punir com castigos comportamentos indesejados –, o aprendizado ocorre de forma preventiva e os benefícios ao cão e à família não demoram a aparecer: melhora da compreensão do animal, redução do estresse, aumento do bem-estar, aumento de confiança e equilíbrio emocional.

Foto: Arquivo pessoal/ Tudo de Cão
O adestramento não tem o intuito de apenas resolver um problema, mas sim de promover
bem-estar para o cão, estimulando-o a vida toda fisicamente e mentalmente

MUITO MAIS QUE DAR PETISCO NA RECOMPENSA

É preciso entender: adestramento positivo não é simplesmente oferecer petiscos em troca de uma resposta assertiva ao comando, mas sim, ter um olhar abrangente para as necessidades e bem-estar do animal. “Geralmente quando um tutor chega para o adestrador, a primeira coisa que ele quer que o cão aprenda é o comando ‘não’, esperando que assim resolva problemas de xixi fora de lugar, de mordidas. Mas o adestramento positivo vê isso de outra forma”, diz Leonardo. Ainda de acordo com o adestrador, o método é proativo e não foca no problema, mas sim na solução. “Se estou passeando na rua com uma cachorrinha e ela sente medo quando passa um caminhão, preciso trabalhar esse medo dela, pois ele pode gerar agressividade e uma série de problemas futuros. Não estou preocupado em ensinar o ‘não’ para ela, mas o ‘sim’, o que ela deve fazer”, complementa o adestrador da Tudo de Cão.
O primeiro passo para se trabalhar com o método positivo é olhar para toda a rotina do cão, adequá-la às suas necessidades básicas – incluindo boa alimentação, frequência de exercícios, interação com o tutor e até descanso de qualidade. Depois, a partir de associações positivas, os profissionais direcionam o pet para as condutas mais adequadas, tanto em relação ao seu tutor, como para o próprio cão, focando no seu bem-estar, qualidade de vida, saúde e segurança. “O método tradicional de adestramento acaba agindo de forma muito mais reativa, indicando respostas para perguntas como ‘meu cachorro puxou a guia, o que eu faço?’ ou ‘ele fez xixi na sala, o que eu faço?’. O adestramento positivo vai olhar para o que não foi feito para que as situações tenham chegado a este ponto”, esclarece Leonardo. Alguns equipamentos utilizados no adestramento tradicional, segundo Leonardo, podem causar desconforto no cachorro (como uso de enforcadores e colares eletrônicos) e até minar sua autoconfiança, fundamental para um desenvolvimento saudável do animal. “Enquanto no método tradicional o equipamento tem o uso para contenção, já o equipamento no adestramento positivo é um artigo de segurança – quando tudo no seu treinamento deu errado, o item está ali para salvar a vida do seu cão”, aponta o adestrador. Seus principais equipamentos em treinos são o peitoral em H, guias longas de até cinco metros, caixas de transporte e plataformas.

Foto: Fernanda Cerioni/Fotografia Pet
Dante Camacho, da Dante Dog Works: “no adestramento o tutor não só se faz
entender, mas também entende melhor o cão”

ADESTRAMENTO PARA CÃES ADULTOS

Segundo Dante, todos os cachorros podem ser adestrados, mas não todos no mesmo timing. “Cada cão tem sua personalidade e aprende no seu ritmo, alguns são mais tímidos, outros mais agitados, mas é preciso ter paciência e trabalhar sempre respeitando a individualidade de cada um”, declara Dante. Ainda que o ideal seja começar o adestramento com um filhote, o animal que já é adulto também pode ser treinado perfeitamente. Os exercícios e técnicas utilizadas são até semelhantes às usadas nos mais novos. “A diferença está no que é priorizado ensinar em cada idade. Cães adultos normalmente já têm algum problema que os tutores querem sanar. Com filhotes o trabalho de prevenção é mais comum”, diz Dante. Ou seja, o treinamento depende muito dos objetivos do tutor, inclusive o tempo de duração. Enquanto alguns podem resolver sua necessidade em uma sessão de adestramento, outros podem manter o cão por anos no adestramento, para novos aprendizados. Mas no geral, é importante que o tutor pratique com o animal de estimação o que foi aprendido e inclua os conhecimentos “dentro da rotina do dia a dia, transformando os novos comportamentos em algo natural”, acrescenta Dante. “No geral, cães têm boa memória, mas isso também depende de por quanto tempo praticam os novos aprendizados. Se praticam poucas vezes, se esquecem mais rápido […] quando um cão não faz algo, nem sempre é porque ele esqueceu, mas sim porque não tem praticado o suficiente para considerar fazer aquilo algo relevante”, ensina o adestrador.

Foto: Arquivo pessoal/ Turma do Focinho
Pets surdos precisam de ainda mais atenção na hora do adestramento, com
cuidados e treinamentos especializados

ADESTRADOR NÃO TRABALHA SOZINHO

Os profissionais entrevistados nesta reportagem explicam que apesar da importância do adestramento, essa não pode ser a única abordagem para entender os problemas de comportamento animal, pois muitos outros fatores estão envolvidos na vida do cão – desde a família, o médico-veterinário, a creche, o passeador, entre outros. “Por exemplo, quando um cão é agressivo, a primeira coisa que eu preciso olhar é a parte de saúde. A quantidade de casos de agressividade ligados à problemas de saúde é altíssima”, esclarece Leonardo. Carolina acrescenta que hoje muitos cães têm desenvolvido problemas comportamentais graves. “Dependendo do caso, além do adestrador que vai trabalhar a parte comportamental, o pet vai precisar tomar medicação e ainda vai necessitar de um médico-veterinário especializado em comportamento para acompanhar a parte mental, emocional e psíquica, que está alterada. Temos fobias sérias em cães, como transtorno de ansiedade e até depressão”, aponta ela, evidenciando a importância do animal ter toda uma rede de apoio dentro daqueles que fazem parte da sua rotina.
Já Ernesto, destaca que os tutores, no geral, têm dificuldade em compreender os princípios do treinamento positivo, aplicar reforços do comportamento desejado, trabalhar manejos para evitar o mau comportamento ou mesmo identificar inadequação no ambiente em que o cão está exposto. “No entanto cabe ao adestrador comportamental orientar e facilitar tal entendimento ao tutor do animal de estimação”, finaliza o profissional.

Nossos agradecimentos:

Carolina Jardim, Psicóloga, mestranda em psicologia experimental na USP, pós-graduada em comportamento animal e treinadora certificada internacionalmente com o título CPDT-KA. Fundadora da Turma do Focinho em 2009.
www.turmadofocinho.com

Dante Camacho, Adestrador e palestrante internacional há mais de 20 anos e criador da Dante Dog Works. Professor de pós-graduação em Comportamento e Bem-Estar animal e treinador de animais silvestres no Zoobotânico de Rio Preto.
www.dantecamacho.com

Ernesto Uszko, Adestrador comportamentalista e fundador da Universidade Cão.
www.universidadecao.com.br

Leonardo Ogata, Sócio fundador da Tudo de Cão e da Cão Inclusão. Atua na área de adestramento e comportamento de cães desde 2002. Tem como objetivo transformar a relação entre tutores e cães, melhorando a comunicação e qualidade de vida da família.
www.tudodecao.com.br

Por Aline Guevara



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