Obesidade canina: o mal do século

Entenda porque esta doença é preocupante e merece muita atenção dos tutores

Foto: Shuttermon/iStockphoto

Assim como nós, os pets também sofrem as consequências da vida moderna, que é mais sedentária e com fácil acesso a alimentos calóricos. Segundo a Profa. Dra. Márcia Jericó, sócia fundadora e atual vice-presidente da Associação Brasileira de Endocrinologia Veterinária (ABEV), o primeiro ponto é tratar a obesidade como uma doença. “É a doença nutricional mais importante do mundo moderno, a mais frequente, e é considerada como doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e pela Associação Mundial de Médicos Veterinários de Pequenos Animais (WSAVA)”, ressalta. Ainda segundo ela, existem raças mais predispostas à obesidade, como o Labrador Retriever, Golden Retriver, as braquicefálicas (como Bulldog, Pug ou Shih Tzu) e o próprio sem raça definida.
Para Mayara Andrade, médica-veterinária nutróloga, a obesidade ainda é um desafio, principalmente porque a maioria dos tutores de animais de estimação ainda não consegue identificar a obesidade em seus pets, o que dificulta o diagnóstico e, consequentemente, o tratamento.

PERIGOS DA OBESIDADE

A obesidade, explica Dra. Márcia, é uma situação que compromete a qualidade e a longevidade da vida do indivíduo. “Ou seja, ele terá menos qualidade de vida e um tempo de vida mais curto”, enfatiza a médica-veterinária, que ainda destaca: “quando constatamos que um animal está obeso, devemos nos preocupar em identificar os problemas que ele vem trazendo, ou seja, o que tem sido consequência da obesidade naquele indivíduo, seja ele cão ou gato, que está acima do peso. É muito comum ele apresentar doenças ortopédicas, osteoarticulares como artrose, luxação de patela, alterações de vértebras, compressão de disco, hérnia de disco etc., como também as dislipidemias, como o aumento do colesterol e triglicérides nesses animais, que podem levar à lipidose hepática e à colestase biliar ou até mesmo à mucocele (quisto da mucosa oral). Outra complicação que é importante são as disfunções respiratórias: eles respiram mal e cansam facilmente. Há ainda a disbiose, pois muitos têm uma alteração do microbioma, que às vezes se manifesta por diarreias intermitentes e disfunções endócrinas, como resistência insulínica”. Assim, Dra. Márcia lembra que, antes de começar a tratar e prevenir, é importante lembrar dessas condições do paciente obeso. “Temos que manter certa aproximação gradual dos exercícios físicos, por exemplo, ter cuidado com a parte respiratória, a parte articular”, alerta.

COMO PREVENIR?

“A obesidade é uma questão de acompanhamento e prevenção, e a prevenção começa pela alimentação equilibrada. Se possível, a única fonte de alimento que o animal deve ter é um alimento equilibrado, com uma ração industrializada de boa qualidade e sem petiscos de pet shop, sem palitinhos, sem bifinhos, sem alimentos que geralmente conhecemos como bem calóricos. Até frutas que são muito calóricas, como banana, mamão, manga – que geralmente são as que eles gostam mais – e abacate. Enfim, evitar petiscos em excesso. Então, a primeira medida é restringir a alimentação à oferta da ração ou do alimento principal e em uma quantidade indicada pelo fabricante. Lembrando que essa quantidade não é necessariamente correta, o tempo é que vai dizer se ele está ganhando peso demais ou não”, aponta Dra. Márcia Jericó, que recomenda ao tutor que precise dos petiscos para educar o pet, que use os mais magros, como os caseiros chuchu e pepino ou, se forem petiscos industriais, utilizar aqueles com menos de 5% de gordura. Além de evitar o abuso de alimentos, Dra. Márcia também aponta que o pet precisa ter um estilo devida saudável, com passeios diários, se possível extensos e de longa duração, pelo menos umas três vezes por semana.

ESCOLHA DO ALIMENTO

“Uma dúvida muito comum sobre esse tema é quando e qual alimento usar tanto para o tratamento quanto para a prevenção da obesidade. No mercado, existem diversos tipos de alimentos, como os alimentos light e os formulados para o tratamento da obesidade”, aponta Mayara, que explica a diferença entre eles: “os alimentos chamados de light são classificados como alimentos completos e balanceados formulados para cães saudáveis e indicados para cães com tendência ao ganho de peso. Já os alimentos com formulação para pets obesos são classificados como alimentos coadjuvantes, ou seja, alimentos que auxiliam no tratamento de doenças – nesse caso, da obesidade. Mesmo sendo classificados como alimentos coadjuvantes, os alimentos para animais de estimação obesos também são completos e balanceados, ou seja, fornecem todos os nutrientes e a energia que o pet precisa, sem precisar de suplementação”.
Para Rafael Vessecchi Amorim Zafalon, doutorando em Nutrição e Produção Animal com ênfase em Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos pela Universidade de São Paulo (FMVZ/USP), a grande diferença dos alimentos indicados para emagrecimento é que eles apresentam maior quantidade de nutrientes por calorias. “Essa característica é crucial para que seja possível fornecer menor quantidade de calorias sem comprometer o aporte adequado de nutrientes, pois o objetivo é proporcionar um déficit de calorias, mas não um déficit de nutrientes. Do contrário, se for realizada restrição energética com um alimento ‘comum’, certamente o animal desenvolverá deficiência nutricional. A maior concentração de nutrientes/calorias é resultado da menor densidade energética desses alimentos, proporcionada pelo baixo teor de gordura e altas concentrações de fibras, que diluem as calorias do alimento. Ainda em relação às fibras, suas altas concentrações contribuem para proporcionar saciedade. Outra característica importante dos alimentos indicados para o emagrecimento é o alto teor de proteína, que auxilia na manutenção de massa magra durante o programa de emagrecimento”, explica.
O médico-veterinário Gustavo Quirino explica que existem várias opções de alimentos coadjuvantes disponíveis no mercado que, apesar de seguirem os mesmos conceitos nutricionais preconizados para auxiliar no tratamento dessa doença, podem apresentar algumas características que os tornam diferentes, como a inclusão de antioxidantes naturais e de carne fresca, grain free e alimentos sem transgênicos. “De forma geral, os alimentos coadjuvantes para obesidade apresentam as seguintes características: baixo teor de calorias, alto teor de proteína e fibras, pois esta associação colabora para um aumento da sensação da saciedade em cães em programas de emagrecimento. Além dos teores diferenciados de gordura, fibra e proteína, algumas fabricantes adicionam na composição desses alimentos alguns ingredientes funcionais que contribuem para a saúde do pet, como prebióticos e/ou probióticos que auxiliam na saúde intestinal, a L-carnitina que auxilia na queima de gordura, favorecendo o emagrecimento saudável e ingredientes que oferecem suporte às articulações, como o colágeno hidrolisado, condroitina e/ou glicosamina. Lembrando que a inclusão desses ingredientes não é uma regra e varia de fabricante para fabricante”, destaca Gustavo.

HIPERLIPIDEMIA: SINAL DE ALERTA

A hiperlipidemia, segundo explica a Profa. Dra. Márcia Jericó, é a elevação das principais gorduras do sangue, que são o colesterol e o triglicérides. “Quando ela é secundária a algum problema, pode ser prevenida. A obesidade é uma causa. Além disso, o uso de corticoides, do anticonvulsivante fenobarbital e algumas doenças como diabetes, hiperadrenocorticismo e hipotireoidismo também podem levar à hiperlipidemia. Agora, se o cão não tiver doença nenhuma, mas for de uma raça como Schnauzer, Yorkshire ou até mesmo Beagle, o animal pode ter o que chamamos de hiperlipidemia primária. Quer dizer, ele pode ser super magro, não ter nenhum problema de uso de corticoides ou de anticonvulsivantes ou nenhuma doença e mesmo assim desenvolver a hiperlipidemia. É bem mais raro, cerca de 5% dos casos, mas o Schnauzer, em especial, é um grande candidato”, detalha a médica-veterinária. Ainda de acordo com ela, a hiperlipidemia é um problema silencioso. “Percebemos mais quando já está com um quadro evoluído. Os sintomas não são específicos da hiperlipidemia. Eventualmente, os animais começam a beber mais água, fazem muito xixi. Eventualmente, eles têm dores abdominais, mas são sintomas muito inespecíficos. E o que vemos são as complicações, as doenças relacionadas. A hiperlipidemia pode causar embolias, tromboembolismo gorduroso, pancreatite, diabetes, fígado gordo, uma colestase hepática, enfim, são várias as repercussões, mas essas são as principais”, comenta. O diagnóstico da doença é feito através da medição do colesterol e dos triglicérides no sangue do animal. “Uma vez detectada a hiperlipidemia, estabelecemos um protocolo de abordagem. A primeira medida é uma dieta com menos de 10% de gordura. Então isso geralmente é visto por pessoas em dietas para cães obesos. Além da dieta de restrição de gordura, recomendamos a atividade física. Se essas duas atitudes não resolverem, aí lançamos mão de medicamentos como os fibratos e os diminuidores de colesterol”, finaliza.

ALIMENTO ÚMIDO

Rafael acrescenta que o alimento úmido pode auxiliar na perda de peso, tanto de cães quanto de gatos. “Seu principal benefício durante um programa de perda de peso está relacionado com a promoção de saciedade, visto que, em razão da sua alta umidade (por volta de 80%), sua densidade energética é baixa. Para se ter uma ideia, enquanto um alimento seco coadjuvante para tratamento de obesidade apresenta valor energético superior a 3 kcal/grama, os alimentos úmidos apresentam por volta de 0,7 kcal/grama. Isso permite que o animal consuma um volume grande de alimento com poucas calorias. Portanto, é interessante que uma parcela das calorias diárias fornecidas ao animal seja proveniente de um alimento úmido”, detalha.

TRATAMENTO

“Identificada a obesidade no paciente, será preciso realizar uma abordagem baseada em dieta de restrição calórica, ou seja, escolher um alimento de baixa densidade calórica e que tenha um nível de gordura baixo também, a partir de um estabelecimento de peso ideal. Esse programa de restrição calórica vai acompanhar o animal de estimação praticamente por toda a vida dele ou até que ele atinja o peso ideal”, afirma Dra. Márcia. “É importante lembrar que o obeso é um indivíduo predisposto a ganhar peso facilmente, então nunca devemos deixar de manter uma restrição, principalmente de petiscos, frutas muito doces e muito gordurosas, além de promover atividade física regular e ter uma vigilância eterna”, enfatiza Dra. Márcia. “Essas são as informações que nós, médicos-veterinários, devemos informar ao tutor do pet desde o momento em que começamos a perceber que ele está ganhando peso ou que ele está em um ambiente que eu costumo chamar de obesogênico, um ambiente que proporciona obesidade, com muitos animais ou muitos tutores, oferta de alimento sem restrição etc.”, finaliza a médica-veterinária.

Agradecemos:
Gustavo Quirino, Médico-veterinário pela UNESP e pós-graduado em Educomunicação pela Anhembi Morumbi. Com experiência desde a graduação em práticas de ensino e nutrição de cães e gatos, atua como analista de treinamento técnico na Adimax, ministrando treinamentos para equipes internas, médicos-veterinários, criadores e lojistas. Contribui para a produção e revisão de materiais e artigos técnico-comerciais aos meios de comunicação.

Mayara Andrade, Médica-veterinária Nutróloga com residência em clínica médica e especializada em Nutrologia e Nutrição de Cães e Gatos pela Anclipeva-SP 1ª turma. Atua na indústria pet food há 10 anos, sendo seis como consultora técnica e quatro atuando na área de marketing e comunicação científica.

Profª Dra Márcia Jericó, Médica-veterinária mestre em Fisiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Doutora em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP. Sócia-proprietária do CVAL (Consultórios Veterinários Alto da Lapa). Membro da Society of Comparative Endocrinology (SCE). Co-Editora do Tratado de Medicina Interna de Cães e Gatos (GEN/Roca), prêmio Jabuti em 2015.

Rafael Vessecchi Amorim Zafalon, Coordenador de Capacitação Técnico-Científica da PremieRpet. Médico-veterinário formado pelo UNIRP e mestre em Nutrição e Produção Animal com ênfase em Nutrição e Nutrologia de Cães e Gatos pela FMVZ/USP. Doutorando em Nutrição e Produção Animal pela mesma instituição.

Por Samia Malas.



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