Pastor Belga Tervueren: bom de proteção e de integração com a família

No início de 2014, Edson Artuso, de São Paulo, tinha uma missão: encontrar um cão de guarda para proteger sua família. “Nossos vizinhos foram assaltados e receávamos ser as próximas vítimas”, explica a esposa dele, Maria do Carmo.

De imediato, Edson pensou em adquirir um cachorro Pastor Alemão, já que as virtudes da raça eram elogiadas por um amigo dele, ex-comandante da Polícia Militar do Estado, que trabalhara no canil da corporação. Mas o destino quis que os criadores pesquisados estivessem sem filhotes. Edson encontrou, então, um canil próximo à casa dele oferecendo ninhada de Pastor Belga Tervueren.

O anúncio destacava as virtudes da raça como guardiã e companheira. Ele, a esposa e os três filhos, com 18 a 23 anos, foram conferir. “Gostamos do que vimos: os cães lembravam bastante o Pastor Alemão e os filhotes nos encantaram por sua beleza e doçura”, resume Maria do Carmo.

Assim, ainda em janeiro de 2014, o Pastor Belga Tervueren Scooby, com 65 dias de vida, passou a integrar a família Artuso. E, por volta dos 6 meses de vida, já mostrava serviço. “Foi quando ele começou a latir para os estranhos de maneira intimidadora”, afirma Maria do Carmo, que desde então se sente muito bem protegida.

Pastor Belga Tervueren: proteção com equilíbrio

Proporcionar segurança de forma equilibrada é uma característica do Pastor Belga Tervueren, conforme ressalta a criadora da variedade há dez anos, Mônica Boggio, do canil Palácio de Febo, de Pirapora do Bom Jesus, SP, que já conviveu com quatro exemplares.

O padrão oficial original dos Pastores Belgas (veja quadro Os quatro Pastores Belgas), reserva grande espaço ao estilo de proteção da raça. “É um cão vigilante e ativo, que transborda vitalidade e está sempre pronto para a ação. À aptidão inata de guardião de rebanho, ele junta as preciosas qualidades de melhor cão de guarda de propriedade.

Diante da necessidade, é, sem a menor hesitação, um obstinado e ardoroso defensor de seu dono. Reúne todas as qualidades requeridas para ser um cão de pastoreio, de guarda, de defesa e de serviço. Seu temperamento vivo e alerta, seu caráter seguro, sem nenhum medo nem agressividade, devem ser visíveis na atitude do corpo e na expressão altiva e atenciosa de seus olhos brilhantes. É preciso registrar seu caráter calmo e corajoso nos julgamentos das exposições.”

Maria do Carmo concorda com esses traços do comportamento do cachorro “Nas cerca de 18 horas que fica na área externa da casa, Scooby late bastante para qualquer estranho em frente ao portão, mas se cumprimentamos a pessoa e a fazemos entrar permanece tranquilo e permite ser tocado pelo desconhecido”, compara.

“Com as pessoas de nossa convivência, é dócil a ponto de ser elogiado por elas e, durante os passeios, late para quem se aproxima até receber o comando ‘para’, quando se aquieta e aí qualquer um pode passar a mão nele”.

Integração do Pastor Belga Tervueren

Segundo o padrão oficial, os Pastores Belgas são também bons cães de família. “De fato, Scooby gosta de ficar perto de nós, e, apesar do tamanho, é um fofinho, que adora cafunés, traz brinquedinhos para serem arremessados, passa no meio das pernas da gente para brincar, fazer as pazes depois de uma repreensão ou buscar proteção ao ouvir trovões ou fogos”, conta Maria do Carmo. “Sentir-se parte da família é importante para o Pastor Belga se desenvolver bem fisicamente e emocionalmente”, ressalta a criadora Mônica.

Um dos instintos da raça é ser amigável com crianças. Scooby, por exemplo, diariamente espera no portão a chegada da van que traz da escola os filhos de 6 e 7 anos dos vizinhos. “De maneira inédita, ele não late para essa van e faz festa para as crianças que vão cumprimentá-lo e afagá-lo”, comenta Maria do Carmo.

Mais uma característica do Pastor Belga é ser, normalmente, calmo e gentil com outros cachorros. Maria do Carmo conta que ficou preocupada com a possibilidade de Scooby não se dar bem com o Beagle de casa, de 12 anos, que é bastante irritadiço. Mas, com alívio, viu os dois se entrosaram. “Scooby, para incitar Bidu a brincar, dá leves toques de pata nas costas dele ou sai correndo depois de exibir o osso que ganha para roer”, diz Maria do Carmo. “E, quando fica com ciúmes porque estou fazendo carinhos em Bidu, não o ataca – coloca-se entre nós e mordisca minha mão para me lembrar que também quer afagos”, explica ela.

Vitalidade do Pastor Belga Tervueren

Estar em ação faz parte da essência do Pastor Belga. “O Tervueren é extremamente ativo e precisa de exercício físico diário”, reforça Fabio Ferreira, do canil Sons of Souls, de Niterói, RJ, que cria Tervueren há três anos e já conviveu com sete exemplares. Maria do Carmo calcula que das 24 horas do dia, Scooby passa umas 16 em ação. Durante meia hora caminha com Edson de manhã e, às vezes, mais meia hora de tarde. Além disso, Scooby corre muito na área externa fazendo a guarda e brincando com o Beagle Bidu.

Dentro de casa, Scooby aproveita para intercalar períodos de repouso enquanto a família assiste à TV com mais um pouco de ação. “Pratica cabo de guerra com meus filhos, dá umas corridas na sala e, ao subir ou descer a escada, pula cinco degraus de uma vez”, diverte-se Maria do Carmo. “É preciso também ficar de olho para ele não aprontar algumas artes, como morder objetos ou tirá-los do lugar ou, eventualmente, rasgar panos.”

Treinabilidade do Pastor Belga Tervueren

Os Pastores Belgas respondem bem ao adestramento. Nesse quesito, o ranking publicado pelo comportamentalista canadense Stanley Coren, no livro A Inteligência dos Cães, considerou que o melhor desempenho entre as variedades é o do Tervueren, que se destaca em 14º lugar entre as 132 raças avaliadas. O Groenendael ficou em 15º e a atual vedete dos cães de polícia, o Malinois, em 22º. O Laekenois, que é o Pastor Belga mais raro, não entrou nesse estudo.

Polivalência do Pastor Belga Tervueren

Treinabilidade, vitalidade, faro excepcional e rusticidade fazem do Pastor Belga um trabalhador polivalente, como define o padrão oficial. Há Tervuerens mundo afora farejando entorpecentes, atuando em busca e resgate ou competindo em provas que exigem desempenho de ponta em proteção, obediência e faro.

A Bélgica, país de origem da raça, e sua vizinha, Holanda, têm tradição na criação do Tervueren. Em 2013, na Bélgica, ele foi o 23º mais criado entre 206 raças e, na Holanda, o 49º entre 370 raças. Em ambos os países, existem canis especializados em criar Tervuerens para atividades policiais, como o Van het Davidshof, da Bélgica, e o De La Rouquine, da Holanda. Esse último tem seus cães sendo utilizados não só pela polícia holandesa, mas também pelas dos Estados Unidos e da Áustria. “Um dos meus Tervuerens, o Macho de la Rouquine, ganhou medalha como cão de polícia e farejador de drogas nos Estados Unidos e outro, o Impress de la Rouquine, obteve 4º lugar no campeonato holandês de adestramento avançado para cães de polícia em 2014”, comenta a proprietária do canil De la Rouquine, Jeannette Bout.

Mas, mesmo com todo esse potencial da raça para o trabalho, ela estima que 95% dos Tervuerens do país vivam dentro de casa com a função de fazer companhia, mas pertencendo a donos que valorizam atividades esportivas em dupla com o cão. Jeannette, por exemplo, tem Tervuerens competindo em agility, provas de obediência, IPO (nome atual do Schutzhund, esporte que envolve seções de faro, obediência e proteção) e KNPV (prova com exercícios exigidos para cães da polícia holandesa). “Alguns Tervuerens de minha criação também trabalham como cães de busca e resgate, de terapia e de sinalização para pessoas surdas”, diz ela.

Tanto na Bélgica quanto na Holanda, a variedade de Pastor Belga mais criada é o Malinois, ficando o Tervueren em segunda posição. Jeannette explica: “A predileção pelo Malinois decorre de sua personalidade mais forte, menos sensível, preferida para adestramento avançado em trabalhos com faro, como localização de drogas, explosivos, busca e resgate, que exigem grande concentração e coragem por parte do cão”. A secretária do Clube do Pastor Belga do Canadá, Wendi Daechsel, acrescenta: “A lealdade do Tervueren e o desejo que ele tem de tentar qualquer coisa o torna aproveitável em trabalhos policiais como detenção de suspeitos e serviços de farejamento.”

No Canadá, há também Tervuerens sendo utilizados para visitar idosos em asilos e para pastorear ovelhas. “Quanto à última função, é realizada em propriedades rurais onde os cães ficam fora de casa o dia todo e também afugentam intrusos”, diz Wendi. Os Tervuerens canadenses contam com diferentes provas promovidas pelo clube dos Pastores Belgas, como pastoreio, agility, rally de obediência, faro e carting (puxar carrinho).

Ascensão sutil

No Brasil, sabe-se da existência de cinco criadores de Pastor Belga Tervueren, o que sinaliza um aumento da atividade nos últimos dez anos. Confirmam a expansão os registros da raça na Confederação Brasileira de Cinofilia: não houve nenhum em 2003, mas foram 19 em 2013.

Mônica está otimista quanto ao potencial de crescimento dessa criação. “Quem vê o Tervueren o acha lindo, seja ao se deparar com as fotos que publico no Facebook, quanto ao cruzar o caminho quando ando com eles”, conta. “As pessoas ficam impressionadas com o porte robusto e a cor encarvoada do Tervueren e não demonstram medo de fazer carinho nele”, completa. “Ao descobrirem que se trata de uma variedade de Pastor Belga, muitas vezes ficam surpresas por só conhecer o todo preto, o Groenendael, do qual dizem sentir maior receio.”

Dois visuais

Há diferenças entre Tervuerens de trabalho e de exposição. “Os de trabalho têm cabeça mais curta e larga, olhos e orelhas normalmente maiores, cauda mais comprida, pelagem menos longa e são um pouco mais compridos, o que os torna mais ágeis, com movimentos mais fluentes que a maioria dos exemplares de exposição, mais quadrados, com alcance das passadas mais curto, e, na maioria das vezes, com juba maior ao redor do pescoço”, compara Jeannette.