Pastor da Ásia Central: forte, protetor e muito antigo

Conhecida como Alabai, a raça ainda é rara no Brasil e voltada para um perfil bem particular de tutor

Foto: Edmilson Reis/ Criação e propr.: Canil Graziano
Dag Tekke: Alabai branco e laranja (uma das cores mais típicas da raça) que foi Campeão Mundial em 2022

Acredita-se que o Pastor da Ásia Central (CPAC), também chamado de Alabai no Turcomenistão, tenha surgido há mais de 4 mil anos, sendo considerado uma das raças caninas mais antigas. Como um cão de porte gigante, a Federação Cinológica Internacional (FCI) determina que machos tenham no mínimo 70 cm e 50 kg; e fêmeas, no mínimo 65 cm e 40 kg.

Foto: Edmilson Reis/ Criação e propr.: Canil Graziano
Filhote Ozep di Graziano (o Ursão), com 47 dias de vida


Sua origem e desenvolvimento não são fruto da intervenção do Homem. Foram selecionados naturalmente, sobrevivendo e se adaptando às duras condições de clima e relevo de seu extenso território (montanhas, desertos, estepes, calor e geadas), que corresponde, atualmente, à região que vai do Mar Cáspio até a China e do sul dos Montes Urais até o Afeganistão. “A raça é muito difundida na Rússia, mas o verdadeiro Alabai é do Turcomenistão, onde exerce a função de guarda de rebanho, protegendo-os contra predadores como lobos e ursos. Assim como toda raça de pastoreio, sua função primordial está perdendo campo, pois o número de criadores diminuiu muito”, aponta Enrique Graziano, do canil Graziano, de São Paulo, que cria seus cães em um sítio em Cabreúva, SP, há 9 anos. “Sempre fui criador de cães de grande porte e de guarda e me interessei pela raça por sua rusticidade, funcionalidade e comportamento”, diz.

Fotos: arquivo pessoal de Alessandro Albanese
Fotos do cão Appak Ak Ezger, do canil Del Parco Di Guerra, em treinamento e demonstração de como o Alabai age diante de uma invasão
O criador Alessandro Albanese e o cão Rokhbar del Parco di Guerra

Já a russa Maria Alexandrovna Dimitrova, da região de Nizhny Novgorod, cria a raça como continuidade do trabalho de seu pai no canil TeKKe Itaka, que sempre esteve envolvido na criação desta e de outras raças parentes do Pastor da Ásia Central. “Quando nasci, a raça já fazia parte da nossa família. Nos anos 1970 e 1980, meu pai fez várias expedições ao Tadjiquistão e trouxe cães de lá. Nos anos 1990, ele conheceu os proprietários da creche Kara Kele – Gorokhov Igore Tatyana, bem como Berchansky Anatoly Isaakovich, que eram os principais, melhores e mais famosos criadores de cães turcomanos (Alabais). Então, hoje, preservamos os descendentes destes famosos cães”, revela Maria, que tem como grande objetivo manter o CPAC original, sem mistura de raças, o que, infelizmente, tem acontecido pelo mundo afora. “O cão Pastor da Ásia Central tem um patrimônio genético bastante grande aqui na Rússia, pois na Ásia Central ainda existe criação de ovinos e pecuária. Assim, a preservação desta raça está associada exclusivamente à pecuária. E apenas pastores ou agricultores conseguem preservar esta raça em grande escala. Nossa tarefa, como criadores, é ajudá-los nisso”, explica Maria.
Graziano acrescenta: “Infelizmente, por modismo, buscando tipos maiores e mais pesados, mais ‘mastifados’, alguns criadores têm realizado cruzamentos com cães molossos”. Ainda segundo ele, existem outros tipos de Pastor da Ásia Central, os chamados Afi (do Afeganistão), que são mais agressivos com humanos. “Mas a preferência dos criadores é pelos Turcomenos, por seu biotipo estar mais fixado e por ter melhor construção. As outras regiões acabaram introduzindo raças locais que, embora mantenham o nome Pastor da Ásia Central, possuem algumas características físicas diferentes (cabeça, olhos, tamanho e cores)”, diferencia.
Alessandro Albanese, do canil Del Parco Di Guerra, de Massafra, na Itália, cria o Alabai há mais de 20 anos. Tudo começou por acaso, quando adotou o Alabai Shans, e se apaixonou por seu temperamento e sua inteligência. “Sua independência e habilidade para decidir quando deve agir o tornam um cão único. Porém, sua maior qualidade é ser protetor de quem ele considera ser mais fraco.

Fotos: arquivo pessoal de Maria Alexandrovna Dimitrova
Muito protetores dos mais fracos e indefesos, é impossível que alguém maltrate uma criança na frente de um Alabai
Sua função primordial é a guarda de rebanhos, em que anda dezenas de quilômetros por dia. Por isso, precisa viver em áreas com bastante espaço

É impossível, por exemplo, que alguém maltrate uma criança na presença de um Alabai”, compartilha Alessandro, que vê as leis restritas do Turcomenistão para importar exemplares como o maior desafio em se criar a raça pura. “Eles limitam a poucas exceções a permissão de importação. Assim, tivemos que preservar as linhas de sangue que conseguimos importar na década de 1990, mas temos que tentar resolver esse entrave político no Turcomenistão para conseguir obter novos progenitores e revigorar as linhas de sangue que temos”, revela o criador italiano, que continua: “a missão de criar o Pastor da Ásia Central puro é muito difícil, pois 80% dos exemplares que existem no mundo são misturados com cães molossos europeus, o que requer muito conhecimento, estudo e nenhuma improvisação. Poucos criadores, como nós, mantêm linhas de sangue puras. Seria uma pena perder todo esse trabalho”.

PONTOS FORTES
Segundo Graziano, as qualidades desta raça são inúmeras. “Podemos destacar a rusticidade, a funcionalidade e o comportamento. É um cão inteligente que sabe quando precisa agir e, se preciso, o faz até a sua morte. Além disso, é totalmente confiável com as pessoas de casa”, destaca o brasileiro, que continua: “são cães equilibrados, amigos e parceiros em tudo. Não são de ficar grudados o tempo todo, mas estão sempre por perto. O sentimento de proteção que temos quando estamos sob sua custódia é algo que só se sabe quando se vivencia.”
Maria descreve estes cães como sendo dotados de uma psique extremamente estável e equilibrada. “Isto se deve às difíceis condições em que o Pastor da Ásia Central foi formado. É um cão equilibrado e confiante, com um sentido de proteção do seu território, dos bens do proprietário e dos animais muito desenvolvido”, diz.

TEMPERAMENTO
De acordo Graziano, estes cães não aceitam estranhos nem na presença do dono, pois se distanciam deles. “A referência deles é o dono. O resto é resto. Certa vez, recebi uma emissora de televisão que veio vê-los, e me pediram que os soltassem. Eu disse que eles se afastariam de todos e ficariam nos observando de longe. Dito e feito, ninguém conseguiu chegar perto ou tocá-los. Depois, quiseram que fingíssemos uma invasão, e aí eles mudaram 100%. É uma raça que sabemos como irão reagir, são totalmente confiáveis a quem devem, além de inteligentíssimos, falam com seus olhos. Um exemplo de confiança que eles têm com os donos é que, quando é preciso dar uma injeção, eles não aceitam que outros o façam, nem o caseiro que trata deles todo dia. Só eu e meus filhos”, aponta o criador brasileiro.
Alessandro concorda, ao dizer que a reação ativa à estímulos externos negativos (ameaças) é dele, porém ele permanece reflexivo e com sistema nervoso forte e estável. “Ele afirma sua força, mas nunca é impulsivo”, explica. Ainda segundo ele, se muito socializado, é possível receber convidados na presença do Alabai, mas, como há exemplares mais intolerantes, é melhor não arriscar. “Ele é um cão seguro, mas cautela é uma obrigação quando se tem um Alabai em casa”, alerta.

Fotos: arquivo pessoal de Maria Alexandrovna Dimitrova
Segundo a criadora russa, Maria Dimitrova (nas fotos), o Alabai será protetor também dos pets de sua convivência

FUNÇÃO
“Foram mais de 4 mil anos de seleção natural que o moldaram como um cão de guarda incorruptível. Logicamente, tudo depende de como ele é criado e, para cada necessidade, ele reage de uma forma diferente. Geralmente, na presença dos donos ele não deveria atacar, mas mostra-se incomodado. Fica sempre por perto, de olho para uma possível necessidade de sua interferência”, aponta Graziano. Em comparação ao Pastor do Cáucaso, um “parente” do Alabai, o criador brasileiro diz que, por ser um cão mais ágil e leve, a guardado Alabai é mais ostensiva e dinâmica. “Está sempre atento a tudo. Se existir um invasor, ele não só o agredirá como o matará. Quanto mais sua presa se debater, mais ele será estimulado a rendê-lo, até a sua morte”, descreve.
Maria diz que o Alabai é um verdadeiro cão de trabalho, criado e moldado por diversos povos como objetivo de proteger o território, a casa, o proprietário, a família do proprietário e, claro, os animais da fazenda. “Eles são fáceis de treinar (para quase todos os serviços), são extremamente despretensiosos e resistentes”, acrescenta. Ainda segundo ela, ele tem uma desconfiança inata em relação a estranhos, ao mesmo tempo, este não é um comportamento agressivo. “Se ele vê uma pessoa fora do seu território, ele vai se levantar ou simplesmente levantar a cabeça. Talvez ele comece a rosnar. Se a pessoa continuar se aproximando, ele se levanta e começa a rosnar e latir. E só depois disso, se a pessoa não parar, o cão pode atacar. Quando há uma agressão, ele obedece integralmente aos comandos do dono”, descreve Maria.
Alessandro reforça que o Alabai não é um cão neurótico. “Ele avisa o estranho com um latido, depois emite um rosnado baixo. Se isso não bastar, ele atacará com decisão. Ele é muito poderoso e sabe que uma mordida dele causa muitos danos. O Alabai é muito territorial, defende os limites de sua propriedade e de quem ali vive, sua tentativa é afastar a ameaça, o ataque nunca é um fim em si mesmo. Na Ásia Central, dizem que ele é um cão que pensa primeiro e depois morde”, revela.

ROTINA
Como a função primordial da raça é a guarda de rebanhos, Graziano afirma que o Alabai tem sim muita energia e precisa liberá-la. “Deixá-lo solto num sítio ou fazenda é o ideal. Ficar preso em pequenos espaços é tortura para eles”, diz. Ainda segundo ele, o Alabai precisa de um dono, mas ao mesmo tempo ele é livre, pois sempre viveu solto. “Ele cresceu nas montanhas, nos piores climas do mundo, com temperaturas de 50 graus durante o dia e abaixo de zero à noite. Sua alimentação sempre escassa e a falta de líquido no ambiente fizeram dele um sobrevivente. Portanto, necessita de muito pouco para suas necessidades É um cão que, pelo seu tamanho, peso e função, come pouco, nunca adoece e pouco pega parasitas externos”, lista Graziano.
Maria também diz que eles latem pouco. “Há momentos em que eles quase não latem”. Outra característica da raça, resultado do habitat difícil em que foi desenvolvido, é o instinto de autopreservação e conservação de energia. “Movimentos sem sentido e até mesmo latidos sem motivo não são típicos deles. O cão é áspero e bastante pesado, ossudo, e movimentos e emoções excessivas são um fardo adicional para eles”, explica.

Fotos: arquivo pessoal de Alessandro Albanese/Fêmea: Tsarstvo Molossov Adalat/Macho: Garahan del Parco di Guerra
Fêmeas da raça (acima) são menores e mais leves do que os machos (abaixo)

CORES DA RAÇA
A raça precisa se camuflar em meio às ovelhas. Por isso, suas cores variam de acordo com a cor destes animais na região em que se desenvolveram. “Geralmente, os Alabais são brancos e brancos com manchas creme e pretas. Os Afi possuem pelagem mais escura, pelo fato de as ovelhas do Afeganistão serem predominantemente pretas”, aponta Graziano. Embora o padrão da FCI diga que as cores azul ou marrom em qualquer combinação e manto de preto sobre castanho (como o Pastor Alemão) não são aceitas, Maria aponta que as cores da raça variam bastante. Podem ser branco, preto, ruivo, amarelo claro, tigrado, entre outras. “Mas criadores profissionais não gostam muito de tricolores (branco, preto, vermelho)”, completa Maria. Segundo Alessandro, a cor mais tradicional é o branco com manchas laranjas. “Entre as cores mais raras, posso citar o preto inteiro, que tem estado na ‘moda’, mas é frequentemente obtido com cruzas de outras raças. Porém, a cor é a coisa menos importante em um Alabai”, opina o italiano.

ENTRE CÃES
Graziano não aconselha a convivência com outros cães. “De uma forma geral, eles não aceitam outros cães. Existe dominância e, muitas vezes, para proprietários não experientes, isso pode acarretar a morte de um dos animais.
Uma convivência pode mostrar-se tranquila, mas, num determinado momento, por uma ‘discussão’ por comida ou uma simples folha que cai no jardim, pode ser o estopim e, depois deste momento, os cães nunca mais conviverão em tranquilidade e paz”, opina.

DONO IDEAL
Graziano indica a raça para quem realmente precisa de um cão forte e protetor e que seja habituado a cães de guarda. “Ele testará a sua dominância no crescimento e, se perceber que não existe limite, ele se tornará um cão desequilibrado e fora de controle”, alerta.
Já Maria recomenda a raça “aos agricultores e criadores de gado; pessoas que vivem em casas grandes, que possuem terras e fazendas; famílias numerosas, que precisam de um cão para proteger a casa, os filhos e o território”.
“O Alabai não se relaciona apenas com seu dono, mas com toda a família. Assim, seus donos devem ser pessoas sérias e responsáveis, que sabem que têm um cão sensível e amoroso, mas de caráter exigente”, destaca Alessandro, que continua: “Boa socialização é a base do seu bem-estar. Passar tempo com ele o deixará feliz e tranquilo. Ele precisa sentir-se parte da família”.

Nossos Agradecimentos
Alessandro Albanese, do canil DelParco Di Guerra – Facebook:/ Alessandro Albanese (Del Parco Di Guerra)
Enrique Graziano, do canil Graziano – WhatsApp: (11) 99888-9877; Instagram: @grazianoenrique
Maria Alexandrovna Dimitrova, do canil TeKKe Itaka – Facebook:/ Masha Dimitrova e Creche “TeKKe Ithaca”

Por Samia Malas



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