Pastor da Mantiqueira: excelente para treinar

De múltiplas funções, ele se destaca por ser bastante inteligente e por aprender muito rapidamente

Foto: Luca Watanabe/Cão: Vento da Estância/Criador e propr.: Pedro Ribeiro (canil Estância)
O padrão CBKC estabelece como altura média desejada para machos e fêmeas a de 48 cm, com limites de menos ou mais 5 cm

Todos que conhecem bem essa raça nacional enfatizam a sua alta adestrabilidade. “A pessoa ensina em um dia e no outro o Pastor da Mantiqueira já repete com muita facilidade, sem que a gente precise insistir com o cão”, relata Pedro Ribeiro, do canil Estância, de Salesópolis, SP. “Ele é de fácil condução por comando verbal – por exemplo, em apenas um ou dois passeios esse cão anda ao lado sem puxar”, garante Wagner Montanher, do canil Sacrata Foresta, de Mairiporã, SP. “A raça é tão inteligente que, em poucos dias, executa tanto os comandos de obediência da rotina do lar como os relacionados à principal função: a lida do gado no campo”, reforça Eduardo Saad, do canil Mantiqueira 2 Irmãos, de Taubaté, SP. Pedro concorda que vários comandos são aprendidos bem rapidamente pelo Pastor da Mantiqueira e que, a partir do direcionamento deles para o trabalho com rebanhos, tudo se torna muito mais fácil. “Tenho uma fêmea aqui que a treinei por 15 dias e nos três primeiros ela já havia aprendido o ‘senta’, o ‘fica’ e o ‘aqui’, para vir até mim. E todos eles emitidos de bastante longe, cerca de 30 metros de distância”, informa o criador. “Com apenas três sessões de treinos o Pastor da Mantiqueira é capaz de tocar a boiada, assimilando o comando emitido pelo condutor para frear o impulso do cão de partir para cima do rebanho, algo que é liberado posteriormente”, ilustra Wagner.

HISTÓRIA
A Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC) reconheceu o Pastor da Mantiqueira como raça oficialmente em 2022. Ele é originário da Serra da Mantiqueira – cadeia montanhosa que abrange São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro – e não conta com registros históricos que mencionem os cães que foram introduzidos em sua formação. É popularmente conhecido como “Policialzinho”. “O que se sabe é que ele se desenvolveu por meio de cruzas entre cachorros trazidos por imigrantes europeus e outros que já existiam na região”, afirma Pedro. “Supõe-se que sua base genética venha de Pastores ibéricos e especula-se a participação em período mais recente de outros Pastores modernos caso do Tervueren, do Groenendael e do Alemão”, conta Wagner. “Com o passar dos anos houve uma grande seleção em busca de melhores cães tanto na morfologia como também na aptidão”, acrescenta Eduardo. “Ela priorizou os exemplares que se destacavam na lida com o boi, mas ainda levou em consideração o padrão físico e comportamental, ou seja, um cão de porte médio e leve – e, por isso, ágil e adequado ao trabalho em tal topografia –, sério e observador a ponto de se adaptar a várias funções além do pastoreio, como guarda e companhia”, complementa Pedro. “O Pastor da Mantiqueira de hoje provavelmente não é idêntico ao de um século atrás”, comenta Wagner.
“Com o tempo foi realizado o aprimoramento do biotipo, de maneira que, atualmente, esse cão continua sendo utilizado em vários trabalhos e também é muito bonito”, conclui Pedro.

Foto: Arquivo do criador e propr. (Eduardo Saad, canil Mantiqueira 2 Irmãos)/Cão fêmea: Luara
A cor dourada é permitida no padrão adotado pela CBKC: ele menciona também que o peso é proporcional ao porte do cão
Foto: Luca Watanabe/Cão fêmea: Capitú da Estância/Criador e propr.: Pedro Ribeiro (canil Estância)
O branco é mais uma cor permitida pelo padrão adotado pela CBKC. Outras colorações admitidas são: preto, azulego e mantado
Foto: Richelle Andress/Criador dos cães: Pedro Ribeiro (canil Estância)
“Dentro do meu canil, o trabalho de socialização dos filhotes começa desde o desmame”, diz Pedro

IMPULSO DE EMPURRAR
O Pastor da Mantiqueira é um cão boiadeiro. “Ele vai atrás do rebanho bovino empurrando-o, ou seja, levando-o de um local para o outro”, diz Pedro. Wagner dá mais detalhes: “Ele toca a boiada mordendo os calcanhares dos bois retardatários para acelerar os passos deles, assim como o Australian Cattle Dog”. Como se sabe esse último é ótimo na lida com o gado. “Mas o Pastor da Mantiqueira se destaca em relação a ele pelo fato de atender aos comandos da pessoa a uma distância grande. Ele também mostra uma coragem absurda em momentos cara a cara com bois arredios”, conta Eduardo. “Tanto o Pastor da Mantiqueira como o Australian Cattle Dog vão atrás do rebanho empurrando-o, porém a raça nacional pode trabalhar bem longe do proprietário, de maneira mais autônoma, pois foi desenvolvido para acessar lugares – nos quais o peão, a cavalo ou a pé, não conseguia acessar – a fim de achar, pelo faro, o boi entocado no meio do mato da Serra da Mantiqueira, além de fazê-lo sair dali para que fosse direcionado pelo peão”, compara Pedro. Ele explica que o Pastor da Mantiqueira atua, na maioria das vezes, com rebanho de bovinos. “Mas com manada de cavalos, que é mais perigosa, também há alguns exemplares que sabem trabalhar. Já com ovelhas são bem poucos, porque nelas o cão tem que ter um controle maior pelo fato desses animais serem mais sensíveis: dependendo da mordida elas machucam mais gravemente”, esclarece Pedro. “Conheço um canil da raça que tem buscado trabalhar com ovelhas, imprimindo na criação características para esse tipo de pastoreio e alguns exemplares já desempenham relativamente bem tal função”, comenta Wagner.
O instinto natural de cão boiadeiro é muito forte nele. “Desde muito novo ele mostra vontade de tocar e morder o calcanhar das reses”, diz Eduardo. “Vários exemplares de 4 meses tentam fazer isso além de persegui-las, algo que não se pode permitir, devido à possibilidade de se ferirem por coices”, alerta Wagner. Pedro reforça: “Não se deve deixar a raça executar esse trabalho precocemente”. Os entrevistados consideram que a idade correta para ingressar nele é após o Pastor da Mantiqueira completar cerca de 10 meses, quando já cresceu a ponto de trocar todos os dentes de leite pelos permanentes e estar coma estrutura formada. “Claro que tem que ser feito um treino de obediência no mínimo básico envolvendo comandos como ‘toca’ e ‘para trás’, mesmo que sob a forma de brincadeiras”, diz Eduardo. “É preciso que ele atenda não só comandos básicos para a função de pastoreio como também o ‘senta’, o ‘deita’, e, principalmente, o ‘fica’ e o ‘aqui’, para esse cão saber onde tem que permanecer e para que regresse no momento que terminar o serviço”, completa Pedro. “Esse treinamento de obediência pode começar logo quando o filhote desmama”, garante Eduardo. “Iniciar esse adestramento aos 4 meses gerará um cão mais lapidado”, concorda Wagner. Pedro conclui: “E a partir do momento em que o ciclo vacinal do filhote estiver completo é importante também apresentá-lo a situações que farão parte de sua vida, como permitir ver um bezerro e sentir-se à vontade com o animal”.

Foto: Arquivo do criador e propr. (Eduardo Saad, canil Mantiqueira 2 Irmãos)/Cão fêmea: Mell
O Pastor da Mantiqueira é um heeler, ou seja, ele morde o calcanhar (em inglês, heel) dos últimos bois da fila para acelerá-los
Foto: Richelle Andress/Cão: Vento da Estância/Criador e propr.: Pedro Ribeiro (canil Estância)
Tanto o Pastor da Mantiqueira como o Australian Cattle Dog são cães que vão atrás do rebanho bovino “empurrando-o”

VIGILÂNCIA
Wagner Montanher afirma: “É inquestionável que o Pastor da Mantiqueira exerce as funções de cão de alarme, dissuador e vigia”.
Pedro Ribeiro afirma que, se treinada por profissionais, a raça exerce a função de guardiã com excelência. “Com somente uns poucos dias ela assimila o ensino do ataque mediante comando. Eu mesmo seleciono esses cães para proteção efetiva e posso dizer que são eficazes na guarda residencial e também em passeios, inclusive os com ele embarcado no automóvel: o Pastor da Mantiqueira, aliás, adora passear de carro”, relata Wagner.
Pedro confirma: “É empregado tanto para a guarda do território – quintais, entre outros – como pessoal”. Eduardo Saad reforça: “Trata-se de um excelente guardião”.

Foto: Arquivo do canil Sacrata Foresta/Criador: canil AMC/Cão: Ceres AMC
São bem poucos os exemplares da raça que, por ora, foram direcionados ao trabalho com ovelhas
Foto: Arquivo do criador e propr. (Pedro Ribeiro, canil Estância)/Cão: Vento da Estância
Pedro afirma que, se treinados por profissionais, os exemplares da raça realizam com excelência a função de guardião

COMPANHIA
Pedro diz que o Pastor da Mantiqueira está dando muito certo também como pet. “Afinal é um cachorro bonito, de porte médio, resistente a doenças e que gosta muito de ser um companheiro bastante próximo ao tutor”, afirma ele. “Esses cães são brincalhões e cuidadosos com crianças”, acrescenta Eduardo.
Wagner elogia a capacidade de adaptação da raça. “Qualquer tipo de moradia serve para abrigar um Pastor da Mantiqueira. Ele aceita bem uma cama de pet shop no canto da sala de um apartamento, mas também é indiferente tanto ao frio do topo da Serra como ao calor das baixas planícies”. Eduardo reforça: “É um companheiro acima da média em todos os ambientes. Tenho exemplares nascidos em meu canil que curtem a praia no Rio de Janeiro, enquanto outros moram em apartamento em São Paulo ou em outras cidades e nunca viram uma cabeça de gado. Além disso, são rústicos, sem necessidade de tratamentos especiais: o básico é suficiente para manter esses cães”. Pedro completa: “Tenho clientes que vivem em apartamento, casa dentro da cidade, casa grande, pequena, sítio e fazenda. E posso dizer que os exemplares da raça se adaptam muito bem a todos esses ambientes, basta que seja proporcionada ração de boa qualidade – ou alimentação natural balanceada – e água fresca”.
Apesar de possuir potencialmente alto nível de energia, Pedro explica que a raça não é hiperativa, o que facilita a sua adaptação a esses diversos tipos de moradias. “O Pastor da Mantiqueira não é aquele cão que vai estar o tempo inteiro pulando, brincando, querendo atenção. Ele sabe a hora certa de gastar energia, de correr solto ou brincar. Mas logo depois fica deitado, perto da gente”, explica o criador.
Wagner comenta que, se preciso, a raça suporta até a solidão. “Eu, por exemplo, adotei uma adulta que vivia com uma pessoa que trabalha o dia todo – a fêmea ficava sozinha em área urbana a maior parte do tempo diário e, mesmo assim, ela não tem traumas nem comportamentos anormais”. Porém o próprio criador admite: “O ideal é que o Pastor da Mantiqueira tenha companhia, seja de outro animal – a maioria dos exemplares da raça é muito sociável com os demais cachorros (há inclusive fêmeas que pajeam filhotes de outras raças caninas) e bichos em geral, como gato e até mini cabras – ou humana. Pois, como pet, esse cão é ligado ao dono, gosta de participar de tudo e mantém-se sempre por perto”.
Já o criador Pedro, do canil Estância confirma: “É bom que o Pastor da Mantiqueira tenha contato com a família diariamente, mas ele consegue ficar longe dos proprietários por alguns dias de maneira tranquila. Os meus vivem em matilha. Crio também cães da raça Dachshund e eles convivem pacificamente com os exemplares de Pastor da Mantiqueira”.

Foto: Arquivo do criador e propr. (Eduardo Saad, canil Mantiqueira 2 Irmãos)/Cão: Lobinho
“O Pastor da Mantiqueira possui uma coragem absurda em momentos cara a cara com bois arredios”, afirma Eduardo
Foto: Arquivo do criador e propr. (Wagner Montanher, canil Sacrata Foresta)/Cão: Cachaça do Sacrata Foresta
“Os exemplares da raça convivem juntos com os outros pets da casa de maneira muito tranquila, inclusive com gato e até minicabra”, diz Wagner

OUTRAS FUNÇÕES
Muito versátil e adaptável, a raça conta até com exemplares que trabalham como cães de assistência. “Tenho um cliente que possui uma clínica terapêutica que usa a natureza para ajudar na cura, principalmente da parte psicológica. E ele adquiriu duas fêmeas comigo que interagem com crianças de necessidades especiais ou outros transtornos psíquicos”, conta Pedro. O criador acrescenta que alguns exemplares começam a trabalhar como cães de faro. “Inclusive uma filhote fêmea nascida em meu canil acabou de ser adquirida por um adestrador que trabalha com cachorros que exercem esse tipo de trabalho”, relata Pedro. Wagner informa: “Um cão da minha criação pratica agility em alguns obstáculos de uma creche canina na zona sul de São Paulo”. Ele comenta ainda que utiliza todos os seus exemplares da raça como controladores de ratos que invadem viveiros, depósito e o quintal da residência.

CUIDADOS COM O PELO
Os banhos devem ser dados apenas em caso de necessidade. Quanto às escovações, apesar de a maioria dos exemplares ser de pelo longo (o padrão CBKC admite mais três variedades: médio, curto e crespo), os fios não caem diariamente: esses cães só soltam mais pelos na muda da pelagem que, nas fêmeas, ocorre a cada seis meses (nos cios) e, nos machos, apenas uma vez por ano. Assim, duas escovações semanais nos 30 dias iniciais dessa troca sazonal – que acontece na primavera – são suficientes.

Agradecimentos:
Associação Brasileira do Cão Pastor da Mantiqueira – www.abrapam.org

Eduardo Saad, canil Mantiqueira 2 Irmãos – (12) 99783-5257, Instagram: @cm2irmãos
Pedro Ribeiro, canil Estância – (11) 96397-5662, Instagram: @papo.decriador, www.canilestancia.com.br
Wagner Montanher, canil Sacrata Foresta – (11) 99619-3125, Instagram: @sacrata_foresta, www.sacrata.org, [email protected]


Por Fabio Bense



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