Pets deficientes: como dar qualidade de vida a esses animais

Paraplégico por conta de um acidente, Argos continua o cão ativo de sempre graças ao cuidado de seus tutores – Foto: Arquivo do Projeto Cão de Rodinhas
Veja dicas de cuidados e experiências de pessoas que encararam o desafio de criar pets especiais

Quem já cuidou ou tem um Pet deficiente sabe como é difícil encontrar apoio e informação sobre cuidados voltados a esses animais. “As informações são extremamente escassas e o medo e desespero no início do processo é grande. Parece que você está sozinho, que ninguém nunca passou por isso. Além disso, o preconceito de muitas pessoas em relação às deficiências infelizmente é grande”, revela Larissa Tanaka Onuki que, junto com seu marido, Ciro, fundou, em 2018, o *Projeto Cão de Rodinhas. O casal curitibano tem como objetivo promover a conscientização e inclusão de pets especiais (cadeirantes, amputadinhos, cegos, surdos) de todo o território nacional. “O projeto surgiu inspirado pela nossa experiência com Argos, nosso Border Collie que foi adotado bebê e estava vivendo conosco na chácara há 1 ano e meio quando sofreu um acidente que o deixou paraplégico”, conta Larissa. “Quantas vezes já não ouvimos: ‘por que não eutanasiaram ele?’, inclusive de veterinários, ou ainda, que lindo, mas ‘tadinho’, sendo que ele é muito feliz”, desabafa. “Os animais têm muito a nos ensinar sobre superação, aceitação e inclusão. Não andar não é sofrimento para esses cães. Hoje afirmo isso com toda certeza, temos praticamente um pet paratleta em casa”, ensina Larissa, ao apontar outra luta que animais especiais enfrentam: a do abandono. “Por medo e preconceito, eles ficam para trás na fila de adoção nas ONGs e abrigos. Muitos, inclusive, foram abandonados por terem se tornado paraplégicos”, revela a tutora de Argos. Pets deficientes

 

Mãe de 19 pets especiais
Arlete Consentino, de São Paulo, é protetora independente e cuida de alguns afilhados do projeto Cão de Rodinhas. “Sou beneficiada com doações de material pra cuidar dos meus bebês (tenho 19 animais especiais). É um projeto lindo que merece todo respeito e gratidão”, diz.

Foto: Arquivo do Projeto Cão de Rodinhas  

As dúvidas são tantas que é preciso muito apoio para enfrentar o desafio de dar qualidade de vida a estes pets especiais. “Cuidar de um pet deficiente é uma lição de vida”, afirma a veterinária Maira Formenton, de São Paulo, diretora do Centro de Fisioterapia Fisioanimal e tutora de um cão com membro amputado. “A cada dia meu pet me mostra o quanto essas limitações estão mais na nossa cabeça, pois eles se adaptam e seguem em frente, felizes por estarem conosco”, diz, ao ressaltar que com informação e dedicação do tutor, esses pets podem, sim, ter uma vida feliz. “A qualidade de vida engloba diversos aspectos como ausência de dor, conforto, limpeza, alimentação e manejo adequados. E é necessário que um médico-veterinário oriente o tutor para cada caso específico”, acrescenta a veterinária Larissa Toyofuku, da Fisiocare Pet, de São Paulo.Pets deficientes

A rotina de “enfermaria”, como a tutora Larissa Tanaka chama os cuidados que tem com o seu Border  Collie Argos, inclui todos os cuidados com arrasto, escaras de decúbito, troca de fraldas, esvaziamento de bexiga para evitar infecção urinária e fisioterapia. A seguir, as veterinárias listam dicas de bem-estar para esses pets, que ajudam na qualidade de vida deles:

1) Paciência e tempo

Antes de tudo, a veterinária Larissa ressalta que o tutor precisa ter paciência e tempo para se dedicar a um animal deficiente e/ou idoso, pois eles demandam cuidados especiais que devem ser realizados mais de uma vez ao dia. Um pet que seja deficiente ou mais velho precisa de auxílio para se levantar e/ou se locomover, de troca de fraldas, exercícios de fisioterapia (caso precise) e outros cuidados que listaremos a seguir. “Não é necessário ficar 24 horas por dia junto do seu pet, no entanto é importante deixá-lo em um lugar seguro contra arrasto e cuidar de suas necessidades fisiológicas. Ter horários flexíveis na rotina já é suficiente para garantir tais cuidados”, compartilha a tutora LarissaPets deficientes

2) Dê acesso

É muito importante garantir o acesso básico a comida, água e cama quentinha. “Parece simples, mas frequentemente atendemos animais desidratados porque não conseguem mais beber água sozinhos”, conta Maira. Além disso, assim como cadeirantes humanos, a luta dos pets deficientes para conseguir se locomover na cidade é um desafio diário. “Da mesma forma que para o humano, as calçadas e locais muitas vezes são pouco acessíveis ao pet deficiente. Assim, o tutor deve procurar locais mais acessíveis para levar seu amigo para passear”, recomenda Maira.

 

Tutora do Lázaro
Rita Pontes, de Guajará Mirim, RO, é tutora do Lázaro, adotado por ela após ter sofrido um atropelamento. “Tínhamos a certeza de que ele queria viver e que chegou até nós por um propósito. Conheci o Projeto Cão de Rodinhas pelo Instagram e desde então, as dicas, as orientações, a atenção, o carinho e a disposição para ajudar com doações e ensinamentos ao Lázaro são constantes”, aponta. 

Foto: Arquivo do Projeto Cão de Rodinhas 

3) Defecação e micção

Há alguns animais que perdem a capacidade de urinar e defecar e precisam ser estimulados com manobras específicas para promover o esvaziamento da bexiga e da ampola retal. Larissa Toyofuku avisa que o primeiro passo é ter certeza de que o animal não tem nenhuma obstrução uretral que esteja impedindo a passagem da urina. “Pode-se passar um lenço umedecido na região do períneo para estimular o relaxamento do esfíncter vesical, e com uma leve pressão no abdome, realizar massagens de quatro a cinco vezes por dia com o intuito de facilitar a saída da urina”, ensina. Se o animal usar fralda, Larissa Toyofuku não recomenda que ela seja mantida por mais de quatro horas sem troca: “A troca frequente evita que o animal se suje e diminui os índices de infecção urinária”. Para se ter uma ideia, a tutora de Argos aponta que são usadas de quatro a cinco fraldas por dia.

4) Movimente o pet

Não deixe o pet esquecido num canto da casa, alerta Maira. “É preciso proporcionar formas de movimentação passivas – como levar o animal para tomar um pouco de sol –, ou assistidas, com uso de suspensores, por exemplo, para que o pet não fique imóvel e apenas deitado o dia todo, condição que pode gerar uma doença chamada síndrome do imobilismo, que é extremamente deletéria, ou ainda a formação de escaras de decúbito”, alerta. Assim, não isole o animal na casa. “Eles devem seguir fazendo as atividades que faziam antes, como ir ao parque, passear, brincar e serem felizes, talvez com alguma ajudinha”, complementa a veterinária.

A tutora de Argos conta que o uso de caminhas, colchõezinhos e superfícies macias deixadas pela casa para o cãozinho se apoiar no descanso, também ajuda muito. “Muitos tutores recomendam o colchão casca de ovo”, acrescenta.

Movimentar e exercitar o pet também contribui para que ele não ganhe peso, destaca Larissa Toyofuku. “O excesso de peso prejudica a qualidade de vida dos pets tanto pela sobrecarga nas articulações e na coluna, como pelo aumento das chances de desenvolvimento de doenças endócrinas, cardiovasculares, dermatológicas, entre outras. O pet obeso é um animal com uma inflamação crônica, e por isso piora o quadro de qualquer condição degenerativa pré-existente”, aponta a veterinária.

 

Ensino às crianças 

O professor de educação fundamental Francisco José Cordeiro Neto, de Curitiba, foi beneficiado pelo Projeto Amiga Zetta Brasil em parceria com o Projeto Cão de Rodinhas, em que crianças tiveram a oportunidade de receber palestra sobre o tema pet especial, acontecendo, inclusive, o encontro de um aluno cadeirante com um cão cadeirante. “As crianças foram impactadas e ampliaram seu respeito aos animais”, conta.

Foto: Arquivo do Projeto Cão de Rodinhas 

5) Prevenindo outras doenças

Além da condição limitante na qual o pet com deficiência locomotora vive, ele também está sujeito a doenças secundárias caso o manejo que ele necessita não seja realizado de maneira correta. As infecções urinárias são um exemplo de problema que pode surgir caso o pet retenha a urina por muitas horas, sem que sua bexiga seja esvaziada pelo tutor ou se a hidratação for insuficiente. “Observe sempre se a urina está clara, para evitar uma infecção urinária. O veterinário também pode receitar suplementos, como o cranberry, para manter o pH urinário estável”, aponta Larissa Toyofuku. “Também devem ser feitos exames a cada 6 meses e atentar-se à quantidade de ingestão de água e comida”, diz Maira.Pets deficientes

6) Dentro de casa

Em geral, para quem tem cão paraplégico ou não, Larissa Toyofuku lembra que devemos evitar que subam e desçam de lugares altos como sofás e camas. Os de pequeno porte ou que já tenham algum grau de comprometimento locomotor também não devem subir escadas. “Toda vez que eles pulam ou saltam de locais altos ocorre uma sobrecarga nos discos intervertebrais da coluna e nas articulações. A constância desse hábito, somado com o despreparo físico e muscular dos animais, pode predispor a danos ortopédicos, como a ruptura do ligamento cruzado do joelho, e/ou neurológicos como a hérnia de disco”, alerta.

Como os pets paraplégicos se arrastam, o tutor também deve tomar o cuidado de não permitir que o façam em solo áspero, pois pode causar feridas, e nem superfícies lisas, pois ao escorregar pode fazer com que surjam novas lesões. “Para evitá-las, o tutor deve forrar o piso com borracha antiderrapante ou colocar roupinhas no pet (no caso de pisos ásperos)”, ensina Larissa Toyofuku. Outra dica importante é elevar um pouco os potes de água e comida do chão. “Isso evita que eles sobrecarreguem a coluna cervical e ombros toda vez que vão se alimentar ou beber água. A altura ideal depende do porte do animal, normalmente pedimos para os potes ficarem na altura do peitoral”, afirma a veterinária.Pets deficientes

7) Obedeça ao vet

Pode parecer óbvio, mas seguir as orientações do veterinário à risca é outro ponto fundamental no trato de animais em condição especial. Principalmente no que diz respeito às medicações, aponta Maira. “É importante que sejam ministradas corretamente. Nunca automedique o animal e contate o veterinário em caso de dúvidas”, enfatiza.

 

Resgate do cão Gil
Cristine Fabbris, de Curitiba, resgatou um pet atropelado na rua e conseguiu apoio do Projeto Cão de Rodinhas para salvá-lo. “Gil é um cachorrinho lindo que foi cruelmente atropelado e abandonado para morrer. Quando fiz seu salvamento, nem imaginava que ele ficaria paraplégico. Fiquei desesperada com a notícia, sem dormir”, conta ela. Hoje, Gil se encontra em um lar temporário que tem fortes chances de ser o lar definitivo dele. “Agradeço imensamente à Larissa, ao Projeto Cão de Rodinhas e ao fofíssimo Argos pela ajuda”, agradece. 

Foto: Arquivo do Projeto Cão de Rodinhas 

8) Uso de cadeira de rodas

Para os cães que usam cadeiras de rodas, a tutora de Argos lembra que jamais um animal deve ser deixado sozinho em casa usando uma delas. “Ele sempre usará de 30 minutos a 1 hora por vez, de forma supervisionada”, ensina. Aliás, Larissa diz que existe um mito sobre o uso desse acessório, pois muitos acreditam ser a solução para todos os problemas. “A cadeira de rodas é muito bacana, porém ela é somente um elemento de exercício. É usada em passeio, para ir à rua, ir a encontros, diferente dos cadeirantes humanos que permanecem bastante tempo do dia usando as suas cadeiras”, compartilha.Pets deficientes

Apoio veterinário

O principal avanço na área de reabilitação, segundo Maira, é a própria evolução da medicina veterinária, que conta com profissionais que atuam com fisioterapia, acupuntura e outras áreas da reabilitação em quase todo país. “E os acessórios acompanham essa evolução: cadeiras de rodas, sacos de arrastar, próteses e a última novidade é a cama ortopédica, para animais com problemas de coluna e artroses, por exemplo.”

Larissa Toyofuku aponta a medicina integrativa como mais um grande avanço. “Ela engloba todos os tratamentos coadjuvantes que tratam do animal deficiente: além dos aspectos físicos, os emocionais e sociais da família do pet também! A fisiatria, a acupuntura, a ozonioterapia, homeopatia, Reiki e medicina quântica são terapias muitas vezes associadas ao tratamento alopático no controle da dor com sucesso”, diz a veterinária. Pets deficientes

Avanços na área

O uso de células-tronco, infiltrações e novos tratamentos como a ozonioterapia estão em alta na área de reabilitação veterinária e são assunto para muitos congressos da área como o **N.O.R Science, de Neurologia, Ortopedia e Reabilitação, que será realizado em Campinas, SP. “Porém nada funciona se não houver o tratamento integrado entre tutor, veterinário e reabilitação”, lembra Maira. Pets deficientes

Embora o custo de tais tratamentos não seja acessível a todos, as veterinárias lembram que já existem ambulatórios de atendimento de reabilitação em alguns centros educacionais que oferecem o serviço a baixo custo, além de hospitais veterinários públicos que prestam esse tipo de serviço.

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