Saiba o que as pesquisas científicas dizem sobre a semelhança entre cães e seus tutores

Tendemos a associar similaridade com familiaridade e previsibilidade
Sabe aquele ditado ‘cara de um, focinho do outro’? Não é incomum ouvirmos esse tipo de comparação e alguns tutores juram que seus cães têm aparência e personalidades semelhantes às suas – seja um comportamento calmo, alta energia ou até mesmo características como teimosia ou simpatia. Essa ideia de que tutores e cães se parecem não é só brincadeira, pois existem pesquisadores se fazendo a mesma pergunta.
Compreender o que se sabe até hoje sobre essas semelhanças é crucial, pois isso pode revelar se a compatibilidade física e de personalidade contribuem para a formação de vínculos mais fortes e duradouros entre cães e seus tutores.
O QUE A CIÊNCIA DIZ SOBRE ISSO?
Em 2025, pesquisadores alemães analisaram 15 estudos realizados em diversos países e concluíram que cães e seus tutores podem sim compartilhar semelhanças, incluindo traços de personalidade e aspectos ligados à aparência. Muitos dos estudos analisados sugerem que alguns tutores parecem escolher cães que se assemelham a eles, especialmente quando escolhem cães de raças padronizadas. A revisão literária indica que a semelhança pode estar na região dos olhos, mas também pode ser observada na correlação entre o índice de massa corporal (IMC) de tutores e cães. Outros estudos analisados mostram preferência por cães de orelhas compridas entre mulheres de cabelos longos e o contrário entre mulheres de cabelos curtos. Semelhanças na personalidade incluindo níveis de extroversão, ansiedade e sociabilidade também foram observadas.
Muitos desses estudos utilizam questionários que os próprios tutores respondem, portanto refletem principalmente a percepção dos tutores. No entanto, um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia pediu para pessoas que não conheciam nem os tutores nem os cães para parear fotos de cães e seus tutores de acordo com traços de similaridade. Curiosamente, essas pessoas foram capazes de combinar corretamente a maioria dos pares de tutores e cães, revelando que a similaridade pode não ser só uma questão de percepção do tutor.
COMPARAÇÃO COM PESSOAS
Mas por que será que isso acontece? Uma hipótese tem a ver com nossa inclinação para criar vínculos emocionais com pessoas que são parecidas conosco. Em contextos ancestrais, estar em grupos coesos e previsíveis aumentava a cooperação e a sobrevivência. Portanto, tendemos a associar similaridade com familiaridade e previsibilidade.
Por exemplo, muitas vezes buscamos proximidade com pessoas que de alguma forma nos são familiares, seja pela aparência, personalidade ou interesses. Alguns estudos sugerem que pais têm uma inclinação para investir mais, em termos de cuidado, em filhos que se assemelham a eles. Isso não significa, necessariamente, gostar mais de quem é parecido. Além disso, não significa inabilidade de criar vínculos emocionais com quem não traz uma sensação imediata de familiaridade.
Ao que tudo indica, mecanismos similares influenciam como nos relacionamos com os cães. Portanto, é possível que, quando alguém escolhe um cachorro para ser o seu pet, esta escolha não seja totalmente aleatória.
Além disso, as trocas emocionais, observação e imitação, e tipos de comportamentos que os tutores de pets reforçam ao longo do tempo podem aumentar a percepção de que os tutores e seus cachorros são parecidos.
COMO ESSAS PERCEPÇÕES AFETAM A RELAÇÃO ENTRE CÃO E TUTOR?
Mais do que uma curiosidade científica, entender como tais percepções de similaridade moldam seu relacionamento com seu cão pode te ajudar a melhorar a qualidade do vínculo com ele. Perceber-se parecido com seu cão pode impactar no seu relacionamento de algumas formas:
• Mais investimento no vínculo: na relação entre pessoas e cuidadores, como pais que se sentem parecidos com seus filhos, isso pode aumentar o investimento que fazem neles, levando-os, inconscientemente, a dedicar mais tempo e energia aos cuidados. Pode ser que o mesmo aconteça na relação com o cão, em que essa sensação de similaridade pode levar a um maior investimento e uma maior paciência com alguns comportamentos difíceis do pet. Isto pode, indiretamente, beneficiar o vínculo entre o tutor e o seu cão.
• Sentimento de pertencimento: essa sensação de se sentir parecido com o cão pode reduzir a solidão, fazendo com que o tutor tenha a impressão de que não está sozinho.
As pessoas tendem a interagir com o cão como se ele fosse parte desse espaço social, e essa ligação emocional pode fortalecer a sensação de pertencimento a um grupo.
• Atribuir qualidades humanas aos cães: essa proximidade e sensação de ser similar pode levar o tutor a atribuir características humanas ao animal de estimação, o que, por um lado, pode fortalecer o vínculo, mas, por outro lado, pode gerar confusão, fazendo com que o cão seja visto menos como um cachorro e mais como alguém com traços humanos que ele, na verdade, não possui. Esta humanização é perigosa para a saúde do animal.
O QUE REALMENTE IMPORTA
Mesmo quando as personalidades do tutor e do cão não são exatamente as mesmas, elas ainda podem combinar perfeitamente e os tutores podem ter aquela sensação de terem o cão perfeito. Pense em um cão que é brincalhão e energético, vivendo com um tutor que pode ser mais reservado ou introvertido. A energia do cão pode encorajar o tutor a ser mais ativo, o que pode levar a hábitos mais saudáveis, como passear ou passar tempo ao ar livre. Ter um cão para compartilhar momentos de alegria, frustração ou até mesmo tristeza pode proporcionar uma sensação de companheirismo e apoio emocional.
No final das contas, é possível que, de fato, exista sim uma semelhança entre você e o seu cão. No entanto, independentemente de haver ou não semelhanças físicas ou de personalidade, o que realmente importa é a conexão emocional profunda entre o tutor e o cão. Assim como na relação entre as pessoas, quando essa ligação existe, o relacionamento tende a ser positivo. Isso pode trazer benefícios para o bem-estar físico e emocional de ambos. Não se trata apenas de quão semelhantes parecemos ou agimos, mas de quão bem nos conectamos, apoiamos, acolhemos as possíveis diferenças, e entendemos uns aos outros.

Por Renata Roma
Pesquisadora e psicoterapeuta. Estuda o vínculo entre pessoas e animais há mais de 10 anos. Psicóloga de formação, tem experiência com terapia assistida por animais, oferece suporte a tutores enfrentando o luto de um pet e tem diversas publicações internacionais e nacionais na área de saúde mental e interações entre pessoas e animais. Doutora pela Brock University com pós-doutorado pela University of Saskatchewan, no Canadá, dedica-se a entender como esses vínculos influenciam o bem-estar humano e animal.
LinkedIn: renata-roma
site: renataromaconnections.com
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