
Psicólogos e outros especialistas alertam sobre a importância de vivenciar o processo para alcançar a cura
Todo tutor, mais cedo ou mais tarde, precisa lidar com um momento inevitável: a perda do seu pet. Nossos companheiros peludos têm vidas bem mais curtas do que as nossas, e, por conta da idade, de acidentes ou até mesmo de doenças, eventualmente eles nos deixam. E este processo de luto tem sido cada vez mais intensificado nos últimos anos, conforme as relações entre pet e tutor se tornam mais fortes e próximas. “Muitos pensam que o momento do luto por um pet é algo banal, mas não é. Hoje o pet é um membro da família, e a superação desse tipo de perda e ausência pode levar meses ou até mesmo anos. E as lembranças daquele ente querido vão permanecer para sempre na memória de sua família”, explica a psicóloga e veterinária Sandra de Almeida, de Curitiba.
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Aliás, foi após passar pelo próprio processo de luto pela perda de um pet que Sandra idealizou e criou o “Abraços Cuidados Paliativos”, um serviço de assistência a animais que precisam desses cuidados, mas que também oferece apoio aos tutores que passam pelo processo de luto. “No passado, senti a dor de perder meus filhos de quatro patas e me vi desamparada, sem apoio algum. Mas sabia que podia garantir a integridade e bem-estar no fim da vida de outros filhos de quatro patas me dedicando a este trabalho de cuidados paliativos”, enfatiza.

A forma como o pet faleceu deve influenciar no processo de luto do tutor, explica a psicóloga Andréia Correia, que atende em São Bernardo do Campo, SP. Ela descreve que nos casos de eutanásia, o tutor vive o chamado luto antecipatório, que tem as mesmas características da perda real, mas surge antes da morte do animal. “Quando o tutor passa pelo luto antecipatório, não temos certeza como ele pode vivenciar a próxima etapa, que é a morte do pet.” De acordo com Sandra, o luto antecipatório pode surgir também no momento de descoberta de uma doença grave do pet. “A pessoa começa a sofrer antes da perda real. Muitas vezes falo para o tutor: ‘O seu cachorrinho, o seu gatinho, não sabe que está doente, ele deve viver uma vida normal e de qualidade. Não antecipe esse sofrimento, aproveite o tempo que têm juntos’. Mas é um conflito grande que ele vive, sem dúvidas.”
Sandra também já atendeu tutores que perderam seus pets após atropelamentos por acidente, outra situação delicada. “O primeiro sentimento que vem é o de culpa, misturada de tristeza. Esse luto pode se prolongar além do normal, pois a culpa prevalece por um bom tempo antes de a pessoa se permitir passar pelo processo natural do luto, que pode vir de uma forma mais grave.” A psicóloga conta que o tutor pode se ver preso nesse sentimento, muitas vezes revivendo mentalmente o momento da morte do pet. Nos casos em que a dor é muito intensa e que vem mesclada com culpa e até raiva de si mesmo, a ajuda profissional é altamente indicada.

Nikita e Tania Gati Brazolim, de São Paulo “A Nikita era a minha gata mais velha, era muito linda, calma, carinhosa, adorava um colo e não estranhava ninguém. Perdi ela em uma fatalidade. Quando estava entrando com o carro na garagem, eu olhei para ver se havia algum gato, não vi nenhum e entrei com o carro. Quando fui fechar o portão, vi a Nikita deitada na rua e aí percebi que eu a havia atropelado. Ela morreu nos meus braços. Fiquei desesperada, gritava, não queria acreditar. Por muito tempo me senti culpada, só chorava, tive que tomar remédios e ainda me pego chorando pela morte dela. Foi muito chocante para mim. Para lidar com a perda, procurei ajuda espiritual, para entender e não me sentir culpada. Depois, adotei outras duas gatinhas bebês. Claro que elas não irão substituir a Nikita, mas foram um alento para minha dor. Também procurei ajuda profissional para aprender a lidar com a dor, a tristeza e a culpa. Às vezes ainda sinto tristeza, mas hoje trabalho esse sentimento dentro de mim e consigo lembrar mais da Nikita com saudade.”
Entenda o luto
Andréia explica que, independe do tipo de luto que o tutor esteja vivenciando, o primeiro passo é compreender o processo de luto. “O luto pode ser descrito como o ‘conjunto de reações a uma perda significativa’ ou como ‘dor emocional por ter perdido algo ou alguém significativo de nossas vidas’”, diz. Ela ainda conta que várias perdas podem desencadear o luto, como uma perda de trabalho, rotina, divórcio, mas, claro, também há aquele gerado pela morte. Andréia enfatiza que, apesar de doloroso, este é um processo natural e precisa ser vivenciado integralmente, inclusive pelo tutor. E isso nem sempre ocorre, pois o luto pelo pet, muitas vezes, não é “autorizado”. Muitas vezes, essa dor não é socialmente reconhecida ou acolhida pelos outros e surgem comentários como: “Você está sofrendo por um cachorro?” ou “Você poderia perder algo muito pior”. Outro caso comum é o próprio enlutado não permitir a expressão do seu luto. Ambas as situações geram um entrave no processo do luto.
Aceite o processo
Uma vez entendido que o luto pelo pet é natural e que ele pode ser tão impactante quanto a perda de um familiar, o próximo passo é aceitá-lo e vivenciá-lo. “É preciso passar por esse luto sem se sentir envergonhado. Chore, fale sobre a dor, permita sentir a dor. Vivenciar o luto é um processo que possibilita às pessoas que sofreram perdas uma reconstrução e reorganização da vida. A partir do luto podemos nos situar novamente perante o mundo e encontrar um novo lugar em nossas vidas para aquele que se foi”, afirma Sandra.
De acordo com Andréia, é importante que o tutor possa ressignificar a dor da perda e, futuramente, transformá-la em lembranças da relação de amor e reciprocidade. Esse processo, que é individual e depende muito do enlutado e da situação vivida, vai ter uma duração diferente para cada um. É importante respeitar esse tempo.
Gata Pitucha e Renata Catelan, de São Bernardo do Campo, SP “A Pitucha, minha gatinha sem raça definida de 2 anos, estava grávida e esperando cinco filhotes. Um dia estava deitada em frente ao meu portão, quando um vizinho a atropelou dando ré em seu carro. Uma parte de mim morreu junto com ela. Meus amigos tentaram me impedir de vê-la naquele estado, mas eu a vi. Que dor imensa! Éramos muito ligadas, onde eu estava, lá estava ela ao meu lado. Amigos e parentes se mobilizaram e foram na mesma hora adotar outra gatinha para mim. Acabei ganhando cinco lindos bebês. Eles me trouxeram carinho, consolo, mas a falta da Pitucha era grande e ainda sinto falta dela e de todos os meus pets que se foram. Recebi ajuda profissional para lidar com o luto. Foi breve, uma orientação para me guiar, mas acredito que o apoio de familiares e amigos, além dos novos pets, foram fundamentais para me dar força e me ajudar a superar a perda da Pitucha. Hoje consigo lembrar dela através das recordações de momentos maravilhosos que vivemos juntas.”
Busque apoio
Apesar de o luto ser individual e único, não significa que o tutor precisa enfrentar o processo sozinho. O apoio de familiares e amigos pode ser essencial neste momento. E caso falte esse apoio ou não seja o suficiente e o processo do luto esteja muito profundo, é importante recorrer à assistência profissional. “O profissional da saúde mental é um facilitador para acolher o sujeito que está na dor da perda e conduzi-lo a ressignificar essa dor e seguir em frente”, esclarece Andréia. O suporte profissional pode ser individual ou até mesmo em grupo.
Cuidado com a tristeza profunda
O luto envolve dor e tristeza, processos naturais e que precisam ser extravasados, mas tudo deve ocorrer de forma saudável. “O normal no período de luto é passar por fases, que podem ser vividas uma a uma ou concomitantes, que são a negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Importante frisar aqui que a depressão, neste caso, não é a doença, mas sim, o sofrimento intenso à sensação de impotência e culpa. Como tudo o que se refere ao comportamento humano, o luto é um momento de muita complexidade. Não ignore ou desmereça se estiver passando por isso. É importante viver as emoções que surgem até elaborar todo o processo”, descreve Sandra. No entanto, é preciso tomar cuidado quando o luto é muito intenso ou tem uma duração excessiva. “O luto patológico requer auxílio de um profissional especializado”, enfatiza a psicóloga. De acordo com Sandra, é importante ter atenção ao tempo do luto. Normalmente o tempo médio de luto pela perda de um familiar é de 2 anos e, no caso de um pet, pode variar de 6 meses a 1 ano. “Não é um tempo exato, mas se o período se prolongar muito, este é o alerta de que existe algo errado”, diz.

Kalango e Mel, de Marinete Mendes Varjao, São Bernardo do Campo, SP “Eu perdi dois. A Mel faleceu por velhice, aos 23 anos. Doeu, mas eu estava aliviada, pois ela morreu dormindo, bem bonitinha. Eu ainda tinha o meu outro gato, o Kalango, que virou meu parceiro. Depois de sofrer uma convulsão, ele ficou cego e acabou sofrendo no final da vida, com mais de 10 anos. Foi muito difícil. Não pude sacrificá-lo, era meu amigo, então esperei ele falecer de morte natural. Tentei lidar com o luto da melhor forma, deixando o tempo consertar o que estragou. Hoje, eu ainda choro quando lembro deles, mas é só saudades. Esperei um tempo antes de arrumar outro gato e quando decidi, adotei dois irmãos de uma só vez. Eles me ajudam a lidar com a dor e estou feliz!”
Muitos tutores em luto buscam suprir a sua perda com a chegada de um novo pet. Para Andréia, adotar nos primeiros meses após a perda não é indicado, uma vez que o novo animal pode desencadear preocupações que não são saudáveis. Sandra explica que “o perigo de se adotar um outro animal logo em seguida é colocar expectativas que não serão correspondidas e não irão curar a dor da perda”.
Um dos conselhos de Sandra para os tutores que atende é fazer um ritual de passagem, algo que simbolize a despedida do pet. “Realizar o rito de passagem vai representar o final de um ciclo. Pode ser um sepultamento ou uma cerimônia de cremação”, sugere. Mas na hora de decidir, é preciso também levar em consideração as alternativas disponíveis para o destino do corpo do pet, preferencialmente junto a um veterinário. “Tanto a cremação quanto o sepultamento podem ser indicados”, explica a técnica da Gerência de Controle de Zoonoses da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Maria Helena Franco de Morais, ao avaliar que a causa da morte do pet pode influenciar na escolha. “No caso de óbito por doenças causadas por fungos, por exemplo, a indicação é sempre realizar a cremação, devido ao risco de contaminação do solo se houver sepultamento”, alerta.

“Troy, meu Golden, era especial. Não só por ter um coração enorme, mas também por ter uma paralisia na pata. Fomos grandes amigos e ele foi importante durante minha depressão. Quando recebi a notícia de que ele tinha um câncer agressivo e raro, foi como se o céu se abrisse. Senti uma dor, uma tristeza, uma fraqueza. Estava despedaçada, mas cuidei dele como ele cuidava de mim. Foram 15 dias cansativos, com ele internado em quase todos, e sabendo que a única possibilidade seria oferecer qualidade de vida. Tentamos de tudo, mas ele morreu no dia 30 março de 2019, com 10 anos. Tenho a consciência tranquila de ter feito todos os tipos de passeios com ele e de ter proporcionado os melhores tratamentos. Troy foi um cão feliz. Não acredito que tenha superado a perda dele, mas é um processo. Todos acreditavam que por usar cadeira de rodas, ele tinha sorte por estar comigo, mas eu que fui sortuda por tê-lo cuidando de mim. Hoje participo de um grupo no WhatsApp com pessoas que têm pets especiais. Quando os ajudo, revivo meus momentos com Troy e me mantenho pertinho dele.”
Por: Aline Guevara
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