Cães Policiais: relação de confiança e parceria com o condutor

Conheça um pouco do trabalho que é realizado pelo 1º BAEP, de Campinas, SP, e seus cães policiais treinados

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Batalhão da polícia BAEP com Pastor Mallinois
Foto: Arquivo 1º BAEP

Ainda é cedo, o sol mal começou a raiar, mas os cuidados de rotina com os animais que vivem no1º Batalhão de Ações Especiais de Polícia de Campinas, SP, o BAEP, já começaram. Os enfermeiros veterinários responsáveis pela manutenção e saúde dos 11 cães da raça Pastor Belga Malinois e 18 cavalos que compõem a “tropa animal” do pelotão campineiro se revezam em turnos de 24 horas para garantir o bem-estar dos policiais de quatro patas. Além dos cuidados desses profissionais, que também são policiais, os próprios condutores também chegam cedo para verificar seus parceiros. “Quando chegamos no Batalhão, nossa primeira tarefa é checar os animais”, aponta o Capitão Antunes, que comanda os policiais que usufruem da frota canina e cavalaria. “Precisamos garantir que o animal está em condições de trabalhar. Então, damos uma volta com ele, interagimos, observamos se não está machucado, o escovamos, tudo para nos certificarmos de que ele está apto a realizar os treinos e as ocorrências do dia”, explica Cabo Matias, o mais experiente entre os policiais que conduzem cães no Batalhão, que atende ocorrências tanto em Campinas como em outras 38 cidades vizinhas até Jundiaí.
O canil do 1º BAEP existe desde 1985. Contudo, segundo nos explica Capitão Antunes, foi a partir de 6 de janeiro de 2014 que um novo projeto foi implementado, havendo mudanças significativas que culminaram em uma maior frota canina. “O que motivou tais mudanças foi o aumento de ocorrências no interior paulista de crimes com armas pesadas, como roubos de caixas eletrônicos e bancos. Desde então, tendo os cães como aliados no combate a esses crimes, conseguimos reduzir de forma significativa esse tipo de ocorrência”, comemora o policial. Hoje, a atuação dos cães é bem mais ampla. Eles são treinados para localizar pessoas (tanto desaparecidas como criminosos em fuga) e farejar entorpecentes, explosivos e armas. Aliás Cabo Matias ressalta que, para se tornar um policial que treina e trabalha com animais, é preciso, antes de tudo, gostar muito de animais e ter aptidão para a função. “Estudamos muito sobre diferentes assuntos, como teoria do comportamento canino e psicologia animal, além de realizar curso de cinotecnia (que dura 45 dias), no caso dos cães, ou tropa montada, no caso dos cavalos”, diz, ao ressaltar que o curso oferecido pela Polícia Militar de São Paulo está entre os melhores do mundo, tendo procura, inclusive, de militares das Forças Armadas, Polícia Federal e até de outros países.

Foto: Arquivo 1º BAEP

DESTAQUE PARA O MALINOIS

Ao chegar ao 1º BAEP, cujo prédio ocupa uma quadra inteirada Avenida do Ipiranga, próxima aos estádios da Ponte Preta e do Guarani (times de futebol tradicionais da cidade), chama a atenção a presença dominante da raça Pastor Belga Malinois. “Cadê o Pastor Alemão e o Rottweiler?”, perguntei, surpresa, ao Capitão Antunes, que me explicou sobre a substituição gradual que foi feita das demais raças, inclusive do Labrador, que também era utilizado no trabalho policial, pelo Malinois. “Nosso primeiro Malinois chegou no início dos anos 2000. Ele se chamava Ivan, e sua condutora, a Cabo Carmen, foi quem o treinou como forma experimental para que conhecêssemos a raça. E o Malinois superou todas as demais raças em diferentes níveis, fazendo com que, gradualmente, fôssemos trabalhando apenas com ele”, revela. Cabo Matias lembra que, no início, quando patrulhavam com o Malinois, as pessoas na rua perguntavam se o cão era um Sem Raça Definida ou ainda um lobo-guará adestrado. “Era engraçado como a raça era pouco conhecida no Brasil. Muitas vezes, a gente até parava a viatura para falar da raça, para que as pessoas a conhecessem mais”, compartilha.
O apelido de “Ferrari dos cães”, usado por quem cria, admira e tem a raça, explica um pouco das aptidões da raça no serviço policial. “O Malinois supera todas as raças na capacidade de explosão, resistência e drive (capacidade de responder a estímulos). Por conta de seu corpo esbelto e estrutura leve, ele é muito mais veloz”, exemplifica Cabo Matias. Outro grande diferencial da raça é que apenas ela é capaz de realizar um treino e uma ocorrência no mesmo dia, sem se cansar. “Mesmo assim, ele trabalha um dia e descansa dois”, ressalta o Capitão Antunes. Contudo, não é qualquer exemplar que pode integrar o quadro de funcionários da polícia. Há um estudo de temperamento feito em cada “filhote aspirante”. “Por exemplo, um cão que é muito brincalhão não serve para o trabalho”, ilustra Cabo Matias.

Foto: Arquivo 1º BAEP
Foto: Arquivo 1º BAEP















PARCERIA SEM FIM

Na visita ao 1º BAEP, presenciamos uma demonstração de treino realizado pelos policiais e seus cães. E impressiona a relação de cumplicidade e confiança que há entre condutor e cão. “É uma relação de confiança da vida. Nós confiamos nossa vida a eles, e eles confiam a vida deles a nós”, comenta o Cabo Edson, policial mais novo na equipe de condutores de cães, mas que já demonstra grande aptidão e amor pelo trabalho.
Quando Cabo Matias pegou Konan, Malinois de 2,5 anos, para uma demonstração de faro de entorpecentes, ficou ainda mais clara essa relação de cumplicidade. Em contraste com a figura sóbria da polícia, Matias recebia lambeijos de seu parceiro de quatro patas, que estava ansioso para trabalhar com ele. “O cão é tudo para nós. Quando acontece algo com eles ou quando um morre, ficamos muito mal”, assume Matias.
A jornada de parceria se inicia por volta dos 3 meses de idade do cão, que pode vir de criadores ou do 5° Batalhão de Policiamento de Choque de São Paulo, que cria a raça. “Como demora muito para o cão ficar pronto para a função (por volta de 1 ou 2 anos, de acordo com o ritmo do cão) e ele se aposenta aos 8 anos de idade, cada policial é responsável pelo treino de dois cães, em média”, aponta o Soldado Vilela, outro integrante do Batalhão. Aliás, ao se aposentar, o cão fica com o próprio condutor (situação mais comum) ou o cão pode ser adotado por outro policial. “Caso nenhum policial o adote, abrimos para a população, mas ainda com muito rigor. Visitamos o local em que o cão ficaria para termos certeza de que ele terá tudo que precisa e não vai mais trabalhar. A pessoa até assina um termo de responsabilidade assumindo esse compromisso”, enfatiza Vilela. Isso porque, infelizmente, muitos querem adotar um cão da polícia para fazer guarda de galpões ou empresas, por exemplo.

Fotos: Arquivo 1º BAEP

VIATURA ADAPTADA

Foto: Arquivo 1º BAEP

A viatura que transporta os cães até as ocorrências também é especialmente preparada para eles. Contém até climatizador, que mantém a temperatura sempre agradável para a espécie. “Não usamos ar-condicionado, pois ele pode ressecar o focinho do cão”, destaca Cabo Edson. O automóvel também é equipado com grade de segurança (para evitar que alguém leve uma mordida do cão pela janela, por exemplo) e uma gaiola especial que funciona como uma caixa de transporte bem ampla. “Até o motorista que dirige a viatura com cão tem treinamento especial, pois ele precisa saber dirigir de forma que não prejudique o bem-estar do animal”, revela Cabo Matias. Além disso, toda viatura que transporta cães precisa levar água para o animal e um kit médico, pois, caso o cão se machuque em uma ocorrência, o policial tem condições e treinamento para prestar os primeiros socorros. “O kit tem até soro antiofídico para o caso de picada de animal peçonhento”, acrescenta Muller, enfermeiro que trata tanto dos cães como dos cavalos do Batalhão.


SAÚDE E BEM-ESTAR

No canil, que é higienizado com frequência para que não tenha odores ou sujeiras, os boxes são dispostos de tal forma que o cão tem área de sombra para descansar e área com sol. “A água é sempre fresca, trocamos várias vezes ao dia, e a ração que eles comem é, além de super premium, feita exclusivamente para cães de alta performance. Ela nem é vendida em pet shops e lojas convencionais”, aponta o enfermeiro Muller. Uma curiosidade apontada por ele é o fato de o organismo dos cães ser muito menos sensível que o dos cavalos. “Os cavalos têm muito mais problemas de saúde, embora aparentem ser fortes pelo peso e porte grande”, afirma.
Para evitar a torção gástrica, problema comum em cães de grande porte, os cães se alimentam uma vez ao dia e, após a refeição, ficam duas horas em repouso. “Fazemos de tudo para dar qualidade de vida aos animais. Nunca deixamos fezes ou urina no box, pois isso causa desconforto e pode atrair moscas, que transmitem doenças. Vacina usamos sempre a importada e aplicamos anualmente. As fezes são sempre examinadas para garantir que o cão está livre de verminoses”, lista Muller.
O piso do canil também é próprio para evitar que os cães desenvolvam algum grau de displasia coxofemoral por erro de manejo, ou seja, não é escorregadio ou liso. “Todos os cães são testados para displasia e todos são grau A ,o que indica que, geneticamente, eles não são predispostos a desenvolver a doença”, destaca Muller, que para se tornar enfermeiro dos animais do 1º BAEP, além de ser policial, teve que realizar diversos cursos e hoje, inclusive, estuda Medicina Veterinária.
Outro cuidado importante que é feito é checar se o cão está livre de pulgas e carrapatos antes e depois de uma ocorrência. “Os cães também consomem vitamina B12, como forma de prevenção de carrapatos”, acrescenta Muller. Sobre a castração, Muller aponta que nenhum cão policial é castrado, pois a operação pode afetar o desenvolvimento hormonal do animal e deixá-lo mais pacato, menos ativo. “Por esse motivo, acabamos tendo apenas cães do mesmo sexo no canil, pois ter machos e fêmeas não castradas no mesmo ambiente exigiria um manejo mais complexo”, diz.

Fotos: Arquivo 1º BAEP

CÃES EM AÇÃO!

O treinamento de cães de polícia é algo complexo e que envolve muito estudo e disciplina do condutor, que toma todos os cuidados para não reforçar ações indesejadas. “Usamos sempre o reforço positivo, recompensando os acertos com comida ou com o brinquedo favorito do cão”, explica Cabo Matias, que aponta a importância de o cão sempre terminar o treino “querendo mais”. “Temos que respeitar o limite do cão e nunca treinar até que ele fique cansado. Se, em 20 minutos, consegui que ele obedeça a um determinado comando, por exemplo, paro por aí. Se insistir, ele vai acabar executando o comando de forma errada e pode assimilar a forma errada”, alerta. “Temos que trabalhar sempre deforma lúdica. Para o cão, ele não está trabalhando, está brincando. Para ele, perseguir uma presa e farejar é pura diversão”, destaca Matias, que diferencia os tipos de treinos realizados: para faro de explosivo ou entorpecentes, o cão tem contato (indireto) com a substância durante os treinos, para que ele possa reconhecê-las em campo. “Os treinos de faro inclusive devem ser realizados em diferentes terrenos e horários do dia, parque o cão aprenda a diferenciar os odores de um ambiente e saber qual ele deve buscar”, ensina. Além disso, é preciso fazer uma sociabilização efetiva, para que o cão não se assuste com barulhos como fogos de artifício ou tenha distrações como perseguir um outro cão ou gato no meio de uma ocorrência. “O mais difícil nesse tipo de treinamento não é fazer o cão reconhecer o odor que ele vai farejar, mas ensiná-lo os mecanismos do trabalho e a ter foco”, aponta.
Outro treino realizado é o da mordida. O cão precisa aprendera morder de forma mais potente (usando todos os dentes da boca, inclusive os do fundo), para segurar a presa, imobilizá-la e não soltar até o comando do condutor. “O cão, nessas situações de captura de criminoso, é a ferramenta menos letal que a polícia tem, porque ele é treinado para atacar pontos não letais da pessoa (braços e pernas). Muitas vezes, apenas a presença do cão já intimida e faz com que o criminoso se entregue sem que precisemos soltar o cão”, explica Matias.
Uma regra importante do treinamento de cães policiais apontada por Matias é a de que o cachorro nunca deve sair frustrado de uma sessão de treino. “Mesmo que ele não ache nada, precisamos montar uma pista falsa”, aponta. Porfim, o apoio mútuo entre policiais é fundamental. “Um aponta os erros do outro para que todos possamos treinar nossos cães da melhor maneira possível”, finaliza.

Por: Samia Malas

 

 

 

 

 

 

 


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