Dermatologia canina em foco

Fique de olho nos principais problemas de pele que seu cão pode ter

“As dermatites alérgicas podem evoluir para quadros graves” aponta Márcia Sonoda,
pós-graduada em dermatologia veterinária pela USP

A dermatologia veterinária corresponde a grande parte das queixas de tutores de animais, tendo o maior índice de atendimento em clínica. “Os sintomas de problemas de pele são queixas comuns dos tutores nos veterinários. Entretanto, para descobrir o motivo de coceiras, queda de pelos e demais incômodos, é preciso avaliar questões como os hábitos do animal, seu ambiente, comportamento, realizar avaliações clínicas e exames específicos, que somente um dermatologista veterinário tem a especialização e o conhecimento necessários para concluir tal diagnóstico”, aponta o médico-veterinário Kauê Ribeiro.

QUADROS ALÉRGICOS

Ana Cláudia Balda, especialista em dermatologia veterinária, de São Paulo, aponta que as alergias são as doenças de pele mais comuns em clínica. “Os cães se coçam com as patas principalmente e, em doenças dermatológicas, pode-se observar áreas de falha nos pelos, vermelhidão e outras lesões. Nos quadros alérgicos, em geral, a dermatite atópica nos cães pode provocar coceira tão intensa que diminui a qualidade de vida do paciente”, aponta.

“Estima-se que em torno de 10 a 30% da população canina apresenta a Dermatite Atópica, ficando atrás da Dermatite Alérgica a Picada de Pulgas (ou ectoparasitas) que ainda é considerada a doença alérgica mais comum em cães. A pré-disposição genética é um dos fatores que podem contribuir para o aumento da dermatite atópica canina, juntamente com a exposição constante a alérgenos”, aponta a médica-veterinária Mariana Caetano Pimentel, sócia fundadora da Bichos & Petiscos, de Nova Friburgo, RJ.

Para Márcia Sonoda, pós-graduada em dermatologia veterinária pela USP, em cães, os quadros dermatológicos alérgicos são, sem dúvida, a principal causa de consultas em sua rotina. “Assim como os quadros relacionados a alergias por picadas de ectoparasitas, a hipersensibilidade alimentar e a tão conhecida dermatite atópica, que é a alergia relacionada a sensibilidade a alérgenos (como ácaros da poeira doméstica, pólens e bolores ou fungos do ar) são os mais comuns”, lista Márcia. Para o diagnóstico, Márcia diz que os testes alérgicos para alérgenos (Prickteste– teste cutâneo) ajudam a estabelecer a quais alérgenos do ar o paciente apresenta mais sensibilidade, sendo possível elaborar um tratamento conhecido como a imunoterapia com alérgenos. Ainda segundo ela, não é incomum que o paciente canino apresente sensibilidade aos três tipos de alergia ao mesmo tempo. “Os sintomas das alergias em cães podem variar de acordo com sua evolução e gravidade. Desde um prurido leve ao severo, evoluindo para áreas com lesões eritematosas, crostosas, hiperqueratóticas, descamativas e alopécicas (falhas na pelagem). O quadro pode ser tanto localizado como difuso pelo corpo. Crostas e ulcerações também podem ocorrer. Muitos pacientes podem ter também quadros de otite de repetição evoluindo para prurido intenso e associado com graus variados de eritema, odor forte e cerúmen e/ou secreção em condutos auditivos e grande sensibilidade”, descreve a veterinária, ao ressaltar que alterações do sono e distúrbios de comportamento também fazem parte dos sintomas de cães com crises crônicas e/ou agudas de dermatites alérgicas. “A lambedura de patas também é um sintoma muito comum em cães que sofrem de dermatite alérgica”, ressalta.

Márcia afirma ainda que as dermatites alérgicas podem evoluir para quadros graves. “As infecções secundárias recorrentes, tanto por bactérias como leveduras que representam os quadros de piodermite e malasseziose, respectivamente, têm aumentado acentuadamente. O uso excessivo de antibióticos e antifúngicos sistêmicos têm causado recidivas cada vez mais frequentes em pacientes alérgicos. O sistema imunológico desses pacientes também tem sido afetado, e graus crônicos e graves de alergopatias têm sido frequentes em nossa rotina”, compartilha Márcia.

Para Fabiana Patricia Perdomo Vitale, de Campinas, SP, especializada em dermatologia veterinária, na rotina de cães, os problemas dermatológicos mais prevalentes são praticamente os mesmos dos citados por Márcia: dermatite atópica canina, malasseziose, foliculite bacteriana, otite externa e alopecia X. Fabiana ressalta que as doenças alérgicas são condições mais persistentes, de difícil controle (na maioria dos casos) e que necessitam de acompanhamento de longo prazo, impactando na qualidade de vida do paciente, uma vez que o prurido gera lesões e infecções na pele. Um dos exames usados para detectar dermatofitoses é a lâmpada de Wood, um equipamento que emite uma luz ultravioleta que interage com uma substância específica, o triptofano, de um fungo chamado Microsporum canis. “A luz ultravioleta interage com essa substância oriunda da metabolização deste fungo, produzindo fluorescência amarelo-esverdeada em contato com a luz”, explica Fabiana.

Sobre os tratamentos utilizados para o controle da dermatite atópica canina, Mariana aponta que, atualmente, preconiza-se a terapia tópica. “Estudos comprovam a eficácia do banho terapêutico com antissépticos quando comparado ao tratamento oral com antibióticos. O uso indiscriminado de antibióticos é totalmente contraindicado, e tem ganhado cada vez mais repercussão devido ao grande risco de causar resistência bacteriana, originando superbactérias. Pesquisas também comprovam a importância e benefícios de manter a hidratação e reposição de barreira cutânea frequentes em pacientes com disfunção da barreira epidérmica e disbiose”, afirma.

Foto: Arquivo Pessoal
Márcia Sonoda realizando um Prickteste (teste cutâneo) em um paciente canino: “Uso abordagens amigáveis, como
petiscos nesse lickmat colorido, pois o paciente é muito estressado e reativo quando é tocado”, aponta

TRATAMENTOS DE PONTA

Graças ao incentivo à pesquisa e tecnologia, Márcia aponta que hoje temos diversos medicamentos e avanços nos tratamentos de pacientes que sofrem de dermatite alérgica. “Dentre eles, citamos inúmeros tipos de antiparasitários para controle de pulgas e carrapatos, antimicrobianos e hidratantes tópicos das mais variadas formas (mousses, sprays, spot ons), o avanço de anticorpos monoclonais para o controle do prurido e o uso de imunoterapia com alérgenos. A qualidade da alimentação também tem sido uma das conquistas para o mundo dermatológico. E, a cada dia, mais novidades estão chegando para nossos pacientes com dermatopatias alérgicas”, explica. Já em relação a doenças infectocontagiosas, Márcia diz que, hoje em dia, as sarnas são muito mais fáceis de serem tratadas, proporcionando um maior conforto, tanto para os veterinários que precisam fechar um diagnóstico e tratar adequadamente, como também ao tutor e ao paciente que está sofrendo com uma doença que pode ser resolvida mais rapidamente.

Fabiana ressalta que o custo do tratamento de doenças alérgicas é alto também, não sendo acessível a uma parcela da população. Porém, ela reforça a grande inovação conquistada pela medicina veterinária para o tratamento de alergias, que foi pioneira ao lançar o primeiro anticorpo monoclonal para controle do prurido em cães atópicos. “Isso trouxe uma das mais importantes inovações à veterinária, uma vez que se trata de tratamento célula alvo específica, sem efeitos deletérios ao organismo”, enfatiza.

Foto: Matheus Campos
Fabiana Patricia Perdomo Vitale avaliando cão uma lâmpada de Wood: equipamento
usado para diagnóstico da dermatofitose

PREVENÇÃO É POSSÍVEL?

Segundo Fabiana, doenças alérgicas não têm como ser prevenidas em sua totalidade, pois possuem cunho genético ou os sintomas alérgicos podem ser desencadeados pela alteração da resposta imune mediante a outros processos que a alteração do sistema imune, como endocrinopatias, neoplasias etc. Porém, há sim cuidados importantes que os tutores podem e devem ter com seus pets para garantir o bem-estar da pele e da pelagem deles.

Antes de tudo, uma boa comunicação veterinária-tutor é primordial. “O veterinário precisa ouvir as pessoas, entender suas ansiedades e sempre buscar as alternativas de tratamentos (quando ele é possível). Estabelecer um bom vínculo com os tutores e ensinar a eles desde cuidados básicos, como dar um banho no pet, tratar uma otite e medicar o pet via oral, é fundamental”, afirma Márcia.

Ana Cláudia lista cuidados preventivos essenciais: “administrar ou aplicar preventivos contra pulgas e carrapatos sempre, fornecer alimentação de qualidade, banhos com produtos de bom padrão ou prescritos pelo veterinário e, em qualquer situação, caso haja sinais de lesões cutâneas, procurar um médico-veterinário”.

Fabiana concorda com os cuidados citados acima e ainda enfatiza: “observe sempre se o animal apresenta prurido, principalmente em horários de descanso (não é normal acordar para se coçar, por exemplo), meneios cefálicos (chacoalhar a cabeça), se há queda excessiva de pelos a ponto de ter falhas, se a pelagem está mais opaca e seca ou se apresenta feridas e crostas”. A veterinária também ressalta a importância de se usar os produtos certos nos pets. “Os banhos devem ser feitos com produtos específicos para o tipo do pelo (longo ou curto) e cor de pelagem (clara ou escura), com produtos de uso veterinário (há diferenças de pH da pele humana para a animal)”, finaliza.

CÂNCER DE PELE

Quando se fala em pele, temos ainda que considerar os cânceres que podem acometer os pets. “Quando falamos na prevalência de câncer, a frequência maior está entre os tumores cutâneos, que podem acontecer na porção superficial da pele ou abaixo dela”, alerta o oncologista veterinário Andrigo Nardi Barbosa. Ainda segundo ele, há diferentes tumores com diferentes origens celulares que acometem cães, porém, o único que pode ser realmente prevenido é o carcinoma de células escamosas (ou carcinoma espinocelular), pois ele é causado pela exposição frequente e sem proteção do animal ao sol forte (entre 10 e 15 horas), principalmente quando o animal possui a pele clara, com pouca melanina. “Os sintomas começam com uma pele avermelhada, irritada, um processo inflamatório. Se nada for feito, num segundo momento, esse processo inflamatório vai dar origem a uma infecção pré-neoplásica. Ainda assim, se não houver o controle da exposição solar, ela se transforma num carcinoma. Ou seja, este câncer surge a partir de um processo inflamatório induzido pela longa exposição solar”, explica Andrigo, que indica uso de protetor solar formulado para animais em pets que gostam de tomar sol o dia todo nos locais que não têm pelo (focinho, orelhas, barriga etc.), produto que deve ser reaplicado mais de uma vez ao dia (idealmente, a cada 3 ou 4 horas). “Cães das raças Pit Bull, Whippet e Bull Terrier, que apresentam cores mais claras, podem desenvolver este tipo de tumor, principalmente na região da barriga”, acrescenta.

Outro tipo de câncer bastante comum em cães (e raro em gatos) é o mastocitoma, uma neoplasia maligna derivada da mutação de células chamadas mastócitos, que se originam na medula óssea. Essa mutação leva à proliferação desordenada dessas células. A veterinária Clarisse Teixeira, especializada em oncologia veterinária, explica que a maior incidência de mastocitoma é na pele, onde podem surgir nódulos únicos ou múltiplos. Segundo ela, essas células estão presentes no sistema digestório e nos pulmões, mas é na derme e no tecido subcutâneo que se encontram em maior quantidade. Conforme explica Clarisse, os mastócitos são células do sistema imune e desempenham um importante papel na defesa do hospedeiro contra infecções parasitárias e reações alérgicas. “Uma das formas mais graves é a mastocitose sistêmica, que é o aumento acentuado de mastócitos na medula óssea, pulmões ou estômago”, ressalta. A veterinária frisa que o desenvolvimento do mastocitoma pode estar associado a inflamações crônicas, carcinógenos tópicos, fatores hereditários, alterações genéticas e vírus, mas a sua causa é ainda desconhecida. Geralmente, a doença acomete animais acima dos 8 anos de idade, e os sintomas dependem da localização da neoplasia, que tem um comportamento bem variado, podendo ser um nódulo único ou múltiplos, agressivo e maligno. “Esses nódulos podem vir a ulcerar e apresentar coceira”, afirma Clarisse. O diagnóstico é feito por meio de exames de citologia e histopatológico. É importante fazer a graduação do mastocitoma para avaliar o comportamento biológico desse tumor e assim escolher a melhor opção de tratamento. Esse fator indica o risco de recidiva ou de morte. “Animais com histórico de alergias na pele devem ter uma atenção especial, já que a inflamação constante pode levar à mutação dos mastócitos”, finaliza.

Nossos agradecimentos:

Ana Cláudia Balda Médica-veterinária especialista em dermatologia com título emitido pelo CFMV, diretora da Escola da Saúde do Hospital Veterinário da FMU (Hovet) e sócia proprietária da Derme for pets. portal.fmu.br/servico/hospital-veterinario.

Andrigo Nardi Barbosa Médico-veterinário, atua na área de oncologia e cirurgia reconstrutiva; professor do Departamento de Clínica e Cirurgia da UNESP, Campus de Jaboticabal.

Dra. Clarisse Teixeira Especializada em oncologia no Hospital Veterinário Taquaral (HVT Campinas).

Fabiana Patrícia Perdomo Vitalem Médica-veterinária especializada em dermatologia veterinária pela FMVZ-USP, 2015; sócia da Sociedade Brasileira de Dermatologia Veterinária desde 2015; realiza atendimentos na especialidade de dermatologia no Hospital Veterinário Taquaral, em Campinas, SP

Kauê Ribeiro Médico-veterinário coordenador de Comunicação Técnica da Vetnil.

Márcia Sonoda Formada pela FMVZ-USP, com mestrado e pós-graduação (lato sensu) na área de dermatologia veterinária, ambos pela USP. Possui mais de 13 anos de experiência na área, atendendo e ajudando pacientes caninos e felinos com dermatopatias de todo o Brasil.

Mariana Caetano Pimentel Médica-veterinária pós-graduada em Dermatologia Veterinária de Cães e Gatos. Sócia fundadora da empresa Bichos & Petiscos, Consultório, Dermatologia e Estética Pet, de Nova Friburgo-RJ. Atuação e experiência na área de Clínica Médica com ênfase em Dermatologia de Cães e Gatos, e Estética Pet.

Por Samia Malas



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