Desafios do dia a dia de um adestrador

Assim como acontece em qualquer outra profissão, nós, adestradores, também encontramos desafios pela frente e, na maioria das vezes, são eles que nos impulsionam a alcançar o resultado desejado.
Adestramento de cães

Na realidade, o nosso trabalho se baseia em facilitar a comunicação entre os tutores e os seus pets. Então, trabalhamos todos os dias com desafios.

Nós, da Cão Cidadão, usamos a metodologia do Adestramento Inteligente, desenvolvida pelo Alexandre Rossi, que é baseada no reforço positivo. O cão aprende à medida que for recompensado por apresentar o comportamento desejado e ignorado quando não o demonstra. Em si, isso já representa a parte mais desafiadora, pois, como convencemos os donos que ignorar os seus pets pode resolver a situação?

Os cães são animais que vivem em matilhas, isso os torna sociáveis e muito ligados a seus tutores e, por isso, eles fazem tudo para ter a atenção. Essa situação, muitas vezes, acaba sendo o principal motivo para que os desvios de comportamento aconteçam – e é aí que nós entramos!

Dê atenção ou ignore

Os sinais emitidos pelos cachorros, muitas vezes, são interpretados de forma equivocada pelos tutores, que acabam recompensando comportamentos inadequados e aumentando sua frequência. Vamos supor uma situação para exemplificar: o cão que late para ganhar comida. Se ele ganha o alimento, aprende que latindo ele consegue o que deseja, e passa a usar os latidos para outras situações. Quanto mais ele conseguir o quer, mais ele latirá, especialmente por ter a atenção do tutor naquele momento. O ideal é alterar os horários da refeição do cachorro para que ele pare de esperar a comida, sempre servir quando ele não estiver latindo e ignorar quando ele latir, pois, assim, ele associará que o latido não está mais funcionando.

Outro caso que pode ser resolvido de maneira semelhante é o do xixi no lugar errado. Na maioria dos casos que atendi, os tutores reprimem o pet quando isso acontece e, em algumas das vezes, até o pegam no colo e levam ao local correto do xixi. Nesse intervalo de tempo, o tutor já recompensou o cachorro sem perceber. Direcionar-se para o cão quando ele faz algo errado já é uma recompensa do ponto de vista do animal, pois ele tem a atenção do tutor. Na maioria das vezes, é exatamente isso que o cão quer: mesmo que seja para dar uma bronca, ele já se sente recompensado. Quando o colocamos no colo, então, intensificamos essa atenção que ele tanto queria – e conseguiu. Para ensinar o animal onde ele não deve fazer xixi, também devemos ignorá-lo, mas com uma pequena diferença: devemos também recompensá-lo quando ele fizer xixi no lugar correto. Os cães aprendem muito mais facilmente com a recompensa do que com a bronca. Uma boa dica aqui é levar o pet pela manhã, assim que acordar, até o local correto do xixi, e esperar que ele o faça, recompensando em seguida.

Cachorros que são muito apegados com os tutores ou que fazem uma festa exagerada quando os donos chegam também precisam ser ignorados. Nesse caso, o cão apresenta uma necessidade grande de estar com o dono e entra em sofrimento e angústia sempre que ele não está por perto. Precisamos, então, ignorá-lo e ensiná-lo a ser mais autossuficiente, estimulando-o com brincadeiras em cômodos em que o tutor não esteja.

Por exemplo, para que ele consiga permanecer sozinho em curtos momentos e melhore a sua independência, ignore-o quando sair e entrar em casa, fazendo carinho apenas depois que ele se acalmar, para desvalorizar a sua ausência e/ou chegada. Assim, deixamos o cão mais equilibrado e conseguimos diminuir e até acabar com todo o sofrimento dele quando não estivermos por perto.

Dieta desatenta

Até aqui, podemos observar que ignorar os atos errados dos cães é muito útil e assertivo quando feito da maneira correta e com o auxílio necessário. Outro ponto importante e desafiador é controlar a dieta dos pets. Cachorros que comem nos horários certos e a quantidade adequada para a idade e gasto energético diário são mais equilibrados e saudáveis.

Deixar a ração disponível para o cão não é a melhor opção, pois causa desinteresse pela comida e o tutor, na maioria das vezes, precisa ficar trocando as porções ou colocando atrativos para que o pet coma, o que pode causar sobrepeso. Além disso, a ração exposta pode atrair outros animais e perder nutrientes. Fazer com que os tutores entendam a importância da alimentação é um desafio e tanto, e quando conseguimos alinhar essa situação, passamos a utilizar a alimentação a nosso favor, pois, com os cachorros mais interessados e saudáveis, a tendência é que eles tenham mais interesse em aprender.

A alimentação equilibrada pode ainda auxiliar com os casos descritos acima, pois, para cachorros que estão interessados em comida, podemos passar a oferecê-la em brinquedos, proporcionando enriquecimento ambiental. Isso faz com que eles gastem mais energia na hora de se alimentar – em vez de ficarem sentados e comerem na tigela, por exemplo -, o que pode resultar em uma diminuição dos latidos durante o dia, pois acabam ficando mais cansados e entretidos. Essas brincadeiras podem ser utilizadas em cômodos sem o tutor ou quando o animal estiver sozinho em casa, para ajudar na independência. Cães também não têm o hábito de se aliviarem próximo ao local em que comem, então, deixar ração espalhada onde eles costumam fazer as necessidades erroneamente ajuda a diminuir a frequência de dejetos nesse local.

Cães agressivos

A agressividade não poderia ficar de fora da lista de desafios que encontramos em nosso trabalho. Trata-se de um dos pontos mais relevantes, e talvez o mais desafiador, pelo risco que corremos e pelo estresse a que o animal é submetido quando passa a usar a sua agressividade para lidar com a situação.

Aqui, podemos distinguir três situações diferentes de agressividade: por transferência, dominância e medo. Antes de começarmos a traçar um plano de ação para lidar com a agressividade do cão, precisamos entender a origem e por qual motivo o ataque ocorre.

Agressividade por transferência acontece quando o cão é estimulado por algo, mas não alcança o alvo e acaba mordendo o que estiver mais próximo. A melhor solução para acabar com ela é treinar esses estímulos externos, deixando o cão mais calmo quando vê outro animal e recompensando se não houver reação agressiva quando outro pet se aproximar.

A agressividade por dominância ocorre quando o cão se vê sem limites, em uma casa onde tudo é permitido. Melhoramos esse tipo de comportamento trabalhando a liderança do tutor, ensinando o cão a se controlar em situações adversas, em que ele queira muito atingir o seu objetivo, como a saída para o passeio, por exemplo. Antes de sair, ele precisa obedecer ao tutor e se sentar, para então ganhar o passeio.

A agressividade por medo é a mais desafiadora. Quando o cão sente medo, ele tem duas reações: foge ou luta – neste caso, para salvar a sua vida, no ponto de vista dele. Por isso, na maioria das vezes, esse tipo de comportamento gera as agressões mais violentas. Ela ocorre por uma socialização feita de modo errado ou inexistente, ou por algum trauma sofrido. Para controlar essa agressividade, devemos introduzir na vida do cão as situações de medo de forma mais branda, deixando que ele se sinta à vontade quando for submetido a ela e intensificar aos poucos, para que não haja risco de uma recaída na agressividade.

Impor limites

De modo geral, ensinar limite para o seu cachorro o auxilia em todos os desafios citados acima. Um cachorro que aprende limites obedece mais aos donos, não tem medo e se sente mais seguro. Assim, conseguimos pets mais equilibrados e felizes, pois não sentem a responsabilidade de estar em alerta todo o tempo. Eles entendem que os donos estão no controle da situação e podem, então, relaxar.

Os cachorros aprendem por recompensa e repetição. Sempre que são recompensados por algum comportamento tendem a aumentar a frequência dele. Porém, na maioria das vezes, a recompensa, pelo ponto de vista do cachorro, é diferente da dos tutores.

Nosso verdadeiro desafio, como adestradores, não é apenas corrigir um comportamento ou ensinar comandos, mas, sim, alinhar a comunicação entre tutor e pet, para que ambos se entendam melhor e consigam conviver com mais harmonia.

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NATÁLIA VITORIANO

Adestradora e franqueada da Cão Cidadão.