Lagotto Romagnolo: absolutamente apaixonante

O genuíno cão para a busca de trufas, os diamantes da gastronomia, se destaca também pela inteligência e companheirismo

Foto: Rhonda Cassidy/Cão: Multi BIS BISS JEW’19 GCHG Multi CH Kan Trace Very Cheeky Chic/Criador: canil Kan Trace

O Lagotto Romagnolo chama atenção aonde quer que vá. Primeiro pela aparência. “Ele tem pelagem cacheada e carinha de urso de pelúcia, com expressão doce e olhar quase humano”, comenta Luiza Sobral, do canil Sapucaya, de Cotia, SP. Em seguida, ele conquista as pessoas pelo temperamento encantador. “O Lagotto é alegre e divertido: logo no início da convivência com ele percebi que se tratava de uma raça adorável e fiquei perdidamente apaixonada”, acrescenta Luiza.

Foto: Arquivo do prop. do cão (canil Sapucaya)

HISTÓRIA

Durante séculos, esse cão atuou para buscar e trazer da água aves abatidas pelo dono nas zonas pantanosas da região da Romanha, Itália, seu local de origem. Mas, ao longo dos anos, os grandes pântanos foram drenados e transformados em terras cultiváveis. A atividade principal do Lagotto se transformou então em outra: graças ao dom natural para buscar aliado ao seu faro excelente, ele passou a ser utilizado para procurar trufas, fungos da família dos cogumelos, que nascem debaixo da terra – de 20 a 40 cm da superfície – em bosques de árvores específicas (como carvalhos, aveleiras e salgueiros), principalmente na Itália, onde são encontradas características de solo, clima e vegetação que permitem o seu desenvolvimento. O único sinal que elas emitem é o aroma intenso e único. Por terem olfato muito aguçado, a princípio os porcos é que eram usados para encontrá-las. Porém, depois de cavarem o solo encontrando as trufas, eles frequentemente as comiam. Então, com o passar do tempo, foram sendo substituídos por cães treinados, principalmente o Lagotto: trufas eram colocadas na ração dos filhotes para que, aos poucos, eles soubessem localizá-las.
Conforme o próprio padrão racial adotado pela FCI menciona, “seu anterior instinto de caça foi modificado pela seleção genética e, por esta razão, seu trabalho nesta função não é atrapalhado pelo odor de presas”.

EXTERIOR

Em 2021, considerando as 17 cinofilias estrangeiras mais tradicionais do planeta, 12 emitiram registros para exemplares da raça: Alemanha (736), Austrália (476), Canadá (299), Espanha (64), França (673), Estados Unidos (cerca de 900), Finlândia (486), Holanda (143), Itália (5.041), Reino Unido (259), Rússia (131) e Suécia (622).
Ainda que seja originário do século XVI, o Lagotto Romagnolo foi reconhecido pela Federação Cinológica Internacional (FCI) apenas em 1995, provisoriamente, e, em definitivo, em 2005 (e, pelo American Kennel Club, admitido em definitivo só em 2015, ainda que incluído na classe miscelaneous muito antes). “A aceitação internacional fez com que a raça ganhasse popularidade nos últimos anos, mas, como se vê, ainda é nova nesse sentido e só precisa de tempo para ficar mais conhecida”, acredita Luiza.

Foto: Divulgação – Monica e Carlos Claro com Nero

CRIAÇÃO BRASILEIRA

Em 1999, o Lagotto Romagnolo foi trazido pela primeira vez ao Brasil pela cinófila Maria Auxiliadora Gutzuwiller dos Santos, do Rio de Janeiro. Ela importou três exemplares da Itália: dois machos e uma fêmea, que tiveram ninhadas. Entre 2011 e 2012, o consagrado expositor e grande apreciador da raça Victor Malzoni Jr. trouxe um Lagotto Romagnolo ao nosso país, Bruno, que foi apresentado nas exposições.
Luiza viu um Lagotto Romagnolo pela primeira vez em 2018. “Já criava Golden Retriever e há muitos anos procurava uma raça menor e que fosse bastante rústica e saudável para criar junto com ele. Aí, durante uma exposição do Kenel Clube São Paulo, conheci um Lagotto macho, nascido na Rússia, pertencente a um premiado criador de Golden, e comecei a conviver com esse cachorro. Pensei então em trazer um casal”, relembra Luiza. Assim, ela começou a conversar com uma das referências mundiais da raça, Sabina ZdunićŠinković, que se dedica ao Lagotto há cerca de 20 anos pelo canil Kan Trace, da Croácia (288 Lagottos foram registrados naquele país em 2021). “Sabina se tornou minha mentora e, depois de cerca de sete meses, eu trouxe a Split, Kan Trace Xanthia, e o Lucas, Kan Trace Z-LukeSkywalker”, relata Luiza, que no momento tem onze exemplares da raça. “Já obtive três ninhadas: duas em 2021 e uma no final de2022”, informa Luiza, que já vendeu Lagottos para tutores de Brasília, Curitiba e São Paulo e exportou um exemplar para os Estados Unidos.

FUNÇÃO ORIGINAL

O Lagotto fareja as trufas pelos bosques junto do tartufaio, como são chamados os caçadores e treinadores na Itália, que cavam com seu vanghetto, instrumento específico que retira a trufa com cuidado. “Esse cão executa a função de encontrar trufas com grande eficiência e determinação – seu desempenho é considerado estupendo”, conta Tommaso Bellomo, do canil Di Betos del Casale, da Itália.
Dois cães de criação de Luiza são utilizados para farejar trufas: Nero e Birba. O primeiro foi um dos filhotes gerados na ninhada de estreia da criadora. Ele pertence hoje ao casal Monica e Carlos Claro, da Tartuferia San Paolo, especializada em produtos e receitas à base de trufas italianas. “A Tartuferia sempre foi um restaurante pet friendlye, desde 2014, tínhamos um projeto de trazermos um Lagotto Romagnolo para treiná-lo para caçar trufas brasileiras, chamadas de sapucay. Além disso, meus filhos, Lucas e Eduardo, são apaixonados por cachorros. Ficamos sabendo então da Luiza e de seu plano de trazer um casal de Lagottos do canil Kan Trace, da Croácia, para o Brasil”, diz Monica.
Ela comenta que Nero começou a ser treinado para o desafio de procurar as trufas aos 4 meses, até como uma brincadeira benéfica ao seu desenvolvimento, já que possui muita energia. Monica e Carlos contrataram então um adestrador experiente, José Roberto de Sousa e Silva Jr. (José Airedale) que começou escondendo pedrinhas com um pouco de azeite de trufas para Nero procurar dentro de casa. “Conforme ele foi crescendo, começamos a esconder as pedrinhas no jardim de casa, tornando o exercício um pouco mais desafiador”, conta Monica. Desde o início, por seu olfato aguçado e inteligência, Nero saiu-se muito bem. “A próxima etapa foi esconder debaixo da terra, em uma praça perto de casa, pequenos pedaços de pães com gotinhas de azeite de trufas e, novamente, o Nero logo começou a cavar nos locais onde eles estavam”, relembra Monica. Então chegou a hora de enterrar as próprias trufas para serem encontradas por Nero, e o cão atendeu todas as expectativas dos seus tutores. “A partir daí, nossa família assumiu os treinamentos dele, que são realizados três vezes por semana”, relata Monica. Em novembro de 2021, ela e Carlos levaram Nero para Cachoeira do Sul, RS, onde aconteceu a 1ª Caça às Trufas no Brasil, na fazenda de noz pecan Paralelo 30. “Já Birba está com uma família que mora próxima à Serra da Mantiqueira, em São Paulo, e vem sendo treinada para encontrar trufas”, relata Luiza.

EXPOSIÇÕES

Os cães de Luiza já ganharam prêmios de destaque nas pistas brasileiras: Split faturou Best in Show na classe filhotes. O mesmo título foi obtido pelo campeão mundial na classe jovem Matteo (Kan Trace Busy Being Fabulous at Sapucaya) que, entre adultos, se consagrou ainda por três vezes 3º de grupo. Já André (LMSE Sapucaya Kan Trace Amaretto Sour) foi 2º de grupo adulto por duas vezes e a jovem campeã mundial Bali (LMSE Sapucaya Bossa Nova), por uma vez. “Acredito que, no futuro, a raça se destacará ainda mais nos ringues nacionais, o que atualmente é muito difícil, pois o grupo 8, onde está inserida, é extremamente competitivo: existem diversos juízes que sabem julgá-la, porém ainda é uma novidade no Brasil”, comenta Luiza.
Sabina é criadora e dona da cadela mais vencedora da história da raça em exposição: Orca (Kan Trace Very Cheeky Chic). “Ela vive atualmente nos Estados Unidos com o renomado handler Phil Booth. Lá Orca foi, em 2021, o cão número 1 de seu grupo e o 2º melhor entre todas as raças. E, na Europa, obteve algo até então inédito na raça: 2º de grupo na edição 2020 da Crufts, a maior exposição do mundo”, conta Sabina. “Split e Matteo são meio-irmãos de Orca”, orgulha-se Luiza.

Foto: Rhonda Cassidy/Cão: Multi BIS BISS JEW’19 GCHG Multi CH Kan Trace Very Cheeky Chic/Criador: canil Kan Trace e Foto do Arquivo do canil Sapucaya respectivamente

DENTRO DE CASA

Foto: Arquivo do canil Sapucaya e foto de Johnny Duarte/Cão: LMSE Sapucaya Amaretto
Sour (André)/Prop.: Luiza Sobral, canil Sapucaya respectivamente

“Ele é afetuoso, muito ligado ao seu dono e à família”, diz Tommaso. “Nero é extremamente apegado, mantém um forte vínculo com todos da casa”, relata Monica. Luiza afirma que o Lagotto é também alegre, bastante carinhoso, inteligente, dócil com outros cães (convivem com seus Goldens) e que adora crianças. “Ele realmente se destaca por ser muito bom com a garotada e, como também é sociável e fácil de treinar, vem sendo utilizado em meu país em programas de pet terapia com crianças com deficiência leve”, confirma Tommaso, que ressalta ainda o fato de o Lagotto conviver bem até com gatos. No entanto, Luiza alerta: “Por ser sensível, o Lagotto precisa ser tratado de maneira gentil e de bastante socialização para que encare diferentes situações sem receio”. Monica relata: “Levamos o Nero várias vezes por semana ao nosso restaurante para que nossos clientes o conheçam e ele se mostra sempre muito amigável, dócil e brincalhão”. Luiza ressalta ainda a necessidade de o Lagotto ser exercitado e incentivado mentalmente. “Brincadeiras de correr ou dois passeios por dia são suficientes – ele ama ser estimulado com o olfato”, conclui ela. “Apesar de viver bem dentro de casa e de ser adequado para tutores de diferentes estilos de vida, o Lagotto tem grau de energia muito alto e gosta de longos passeios a pé: esse cão se diverte muito nesse tipo de atividade”, afirma Tommaso, que destaca também o fato de o Lagotto ser alerta, excelente no alarme.
O Lagotto não passa por muda de pelos. “A raça se adapta bem tanto ao frio quanto ao calor: sua pelagem é impermeável”, diz Tommaso. “Ela é rústica e não tem cheiro. Caso deseje que fique com a tosa típica, precisa ser escovada semanalmente, tosada a cada oito semanas e com banhos mensais. Mas se for mantido tosado, não é preciso escovar com tanta frequência”, finaliza Luiza.

Nossos agradecimentos:

LUIZA SOBRAL, canil Sapucaya – (11) 97116-0501, Instagram: @lagottosapucaya
JOSÉ AIREDALE – (11) 99308-7070
NERO – @NEROTARTUFERIAOFICIAL
SABINA ZDUNIĆ ŠINKOVIĆ, canil Kan Trace – www.kantrace.com, [email protected]
TOMMASO BELLOMO, canil Di Betos del Casale – www.betos.it

Por Fabio Bense



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