Pet anão: causas e cuidados específicos

Nick (cão da esq.) e seu irmão Larry nasceram muito parecidos (foto à esq.), mas com o tempo a diferença foi ficando muito grande – Fotos: Arquivo pessoa
Você sabia que assim como nós seres humanos, no mundo animal também existe cachorro anão? E além disso existe realmente uma procura para compra ou adoção? Vale ressaltar que essa condição pode causar diversas comorbidades, então quanto mais cedo o diagnóstico, mais eficaz será o tratamento. 

Pet anão pode ter “eterna” aparência de filhote, mas condição reflete uma mutação genética Como muitos filhotes de cachorro que vêm de uma mesma ninhada, os irmãos Nick e Larry nasceram muito parecidos. Da raça Pastor Alemão, eles tinham todas as características típicas para a sua idade. Mas, conforme as semanas se passavam, a tutora deles, a fonoaudióloga Renata Herthel Bertola Sfredo, e sua família começaram a perceber que os dois filhotes ficavam cada vez mais diferentes. Enquanto Larry seguia no desenvolvimento esperado, Nick ficava para trás. “Ele era mais ‘atrasadinho’ em tudo. Demorou mais para abrir o olho, para andar, para aprender a comer, para subir nos degraus da escada. Por fim, o desenvolvimento do tamanho começou a ficar bem gritante”, conta Renata. Ao levar Nick para uma avaliação na clínica veterinária, veio o diagnóstico: nanismo.

Nanismo hipofisário

De acordo com a bióloga Fabiana de Andrade, mestre e doutora em Genética e Biologia Molecular, e a médica-veterinária Alessandra Ventura, mestre e doutora em Ciências Veterinárias com ênfase em Ortopedia, o nanismo em cães é ocasionado por uma mutação genética e o tipo mais comum é o hipofisário. Nele, o tamanho do cachorro é menor como um todo, proporcionalmente.

Na raça Pastor Alemão, como é o caso de Nick, o nanismo hipofisário é causado por uma mutação que impede a formação normal da hipófise (glândula localizada na base do cérebro). Nesse caso, tanto o hormônio do crescimento quanto outros hormônios produzidos pela glândula ficam deficientes, causando o tamanho menor e a aparência de filhote.

Como é uma doença recessiva, o cão anão pode nascer de pais saudáveis, desde que ambos sejam portadores do gene mutado. Quando há um cruzamento consanguíneo, ou seja, entre animais que são parentes, a chance de o nanismo aparecer aumenta. Foi o caso de Nick, cujos pais, Luna e Draco, são mãe e filho. “No cio da Luna eu vacilei e os dois acabaram cruzando. Durante a gestação, ela teve problemas passando por internação e uso de antibiótico”, lamenta a tutora. Renata também relata que Nick, com 2 anos de idade, não tem os dentes molares e apresenta uma dermatite persistente que tem sido de difícil tratamento. Alguns outros possíveis sintomas do nanismo são infecções bacterianas secundárias de pele, prognatismo (a mandíbula é mais longa que o maxilar), estro (ciclo do cio) persistente e ainda sopro cardíaco. “Cães com nanismo hipofisário não têm predisposição a problemas ortopédicos, pois apresentam um esqueleto proporcional”, esclarece Alessandra.

Outros tipos de nanismo

Outro tipo de nanismo é o acondroplásico. Nele, o comprimento dos membros é menor, mas o restante do corpo permanece no tamanho normal. “Existem raças que são acondroplásicas, tendo inclusive a mutação causadora da condição já conhecida. Dentre essas raças, as mais populares no Brasil são o Dachshund, o Basset Hound, os Corgis (tanto Pembroke como Welsh) e o Pequinês. Nelas, os cães possuem mutações no gene FGF4, bastante similar à condição humana, que é causada pela mutação no gene FGF3, e que não possuem relação com a hipófise”, explicam as profissionais. A mutação causadora do nanismo acondroplásico é outra e os sinais clínicos são diferentes. “Incluem ossos longos muito encurtados e curvados, articulações aumentadas e achatamento da caixa torácica”, aponta Alessandra. Ainda existe a displasia esquelética, que é causada por mutações em genes do colágeno. “Ao menos dois tipos de displasia esquelética já tiveram as mutações descobertas, e uma delas pode estar acompanhada por problemas oculares também, causados pela má produção do colágeno”, explica Fabiana. Já se sabe que os dois tipos ocorrem no Labrador Retriever e outras raças híbridas ou mestiças dele. Pet anão

Cuidados

Cães com qualquer tipo de nanismo precisam de acompanhamento precoce e contínuo junto ao veterinário. “Quanto antes diagnosticar quais doenças o animal tem, mais precocemente se inicia o tratamento. Algumas das doenças ortopédicas podem ser amenizadas se descobertas em cães ainda jovens, antes dos 4 meses de idade”, esclarece a ortopedista.

A expectativa de vida de um cão anão depende das comorbidades decorrentes do nanismo que ele apresenta. “Se houver problema cardíaco, a expectativa de vida diminui, assim como problemas que necessitem de muitos medicamentos que sobrecarregam rins e fígado”, alerta Alessandra.

É importante que cães com nanismo hipofisário também façam acompanhamento com endocrinologista veterinário, pois hormônios faltantes podem ser repostos. Tratamentos dermatológicos e boa alimentação também melhoram a qualidade de vida desses cães. Pet anão

Já os pets anões com problemas na parte esquelética precisam de avaliação de um ortopedista veterinário para que tenham um diagnóstico correto. Alessandra explica que, em alguns casos, pode ser necessário tratamento clínico e até mesmo cirurgias. “Esses cães costumam se beneficiar de medidas utilizadas para prevenção de osteoartrose, como: evitar excesso de peso, pisos lisos e escorregadios, atividades intensas, subir e descer de escadas e lugares altos como camas e sofás”, lista.

No caso de Nick, Renata e sua família supervisionam de perto, junto com a veterinária, o dia a dia do cachorrinho e as possíveis dificuldades que ele pode ter. Apesar da atenção e de um tratamento dermatológico recorrente, o pequeno, que hoje tem 2 anos, leva uma vida normal. Xodó da casa, ele desenvolveu um vínculo forte com Isabela, filha da tutora. “Comecei a ficar muito próxima dele na quarentena, quando tínhamos que ficar em casa o dia todo. Desde então, eu não posso andar na casa sem que ele venha atrás de mim. É quase uma sombra”, relata Isabela.

Nanismo x Cães “mini”e “micro”

Diferente do que o senso comum sugere, os pets “micro” ou “mini”, ou seja, menores do que o padrão oficial da raça, não surgem de cruzamentos de cães com nanismo, uma vez que o nanismo hipofisário gera animais com grande dificuldade de reprodução. “Os cães ‘mini’, ‘toy’, ‘micro’ etc. não podem ser considerados animais com nanismo, pois não possuem, em geral, deficiências hormonais”, explica a bióloga Fabiana Andrade. Para produzir os minicães, no entanto, costuma ser usada uma forma igualmente contraindicada: o cruzamento consanguíneo excessivo. “Além da grande possibilidade de aparecimento de doenças recessivas na ninhada, os minicães produzidos dessa forma possuem um número aumentado de problemas: muitos são mais suscetíveis a diversas doenças e possuem mais alergias, pois têm o sistema imunológico deficiente, e a hidrocefalia é muito mais comum em animais ‘mini’”, relatam as especialistas, que ainda reforçam a importância dos tutores que buscam um companheiro canino terem consciência desses problemas e das péssimas práticas de criação que resultam no nascimento desses animais, dando preferência para criadores éticos e que trabalhem dentro do padrão de tamanho de cada raça. “O ideal é não adquirir cães vendidos como ‘micro’ e ‘mini’ para evitar ter um animal com esses problemas já citados, assim como não incentivar uma criação que ignora o bem-estar animal, ao trabalhar somente para lucrar com um mercado comprador desinformado”, concluem as entrevistadas.


Agradecimentos:

Alessandra Ventura Médica-veterinária, mestre e doutora em Ciências Veterinárias – ênfase em Ortopedia pela UFRGS. Membro ativo da AOVET. Professora e coordenadora do curso de pós-graduação em Ortopedia e Traumatologia Veterinária no IBMVet e ortopedista do Grupo Genética Canina.

Fabiana M. de Andrade Bióloga, mestre e doutora em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS. Trabalha com aconselhamento genético para criadores de cães e faz parte do grupo de pesquisa MegaGen da UFRGS, no segundo pós-doutorado, onde desenvolve pesquisa com melhoramento genético de cães. Coordenadora do Grupo Genética Canina (www.geneticacanina.com).

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