Saluki: elegância e docilidade

“O Saluki é como uma obra de arte: admirado por muitos e tido por poucos”, compara o amante e criador da raça José Arnaldo Medeiros Neto, de Natal. Realmente, em 2013, apenas 11 exemplares desse cão foram registrados na Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC).

Aliás, a raridade parece ser sina das raças de maior porte do grupo dos galgos da Federação Cinológica Internacional, ao qual o Saluki pertence. “Com características anatômicas e comportamentais peculiares e sem vocação para a guarda, apesar do grande porte, esses cães atraem apenas um grupo seleto de entusiastas”, justifica Medeiros Neto que, junto com seu sócio Miguel Gondim, cria Salukis desde 2000 pelo canil Dart’s Repouso de Brookie.

E a raridade se repete mundo afora. Por exemplo, em 2013, dos mais de 223 mil cães registrados no Reino Unido, berço da cinofilia organizada, somente 95 eram Salukis. Até mesmo na Alemanha, onde a raça atinge a maior popularidade considerando-se as grandes potências cinófilas, apenas 153 exemplares foram registrados naquele ano.

“A maior parte desses cães tem pelos longos, sedosos e macios, com franjas nas orelhas, nos cotovelos, nos posteriores das coxas e na cauda, mas existem também os de pelos curtos, um pouco mais grossos e sem franjas”, detalha Abner Queiroz, do canil Morashá, de Hortolândia, SP.

Iraniano bom de caça
Originário do Irã, o Saluki foi desenvolvido para caçar lebres, gazelas e pequenos veados, na modalidade chamada caça e presa, em que o cão faz serviço completo. Esbelto e enxuto, cabe ao Saluki perseguir a presa em alta velocidade, inclusive nas mais bruscas mudanças de direção, usando principalmente o sentido da visão. “Depois de agarrar o animal, o Saluki o abate, o que faz normalmente sacudindo-o até fraturar o pescoço ou a coluna, sem derramar sangue”, explica Zorana Bielovic, do canil Stenara, de Itupeva, SP.

Outra modalidade é a parceria com falcão, praticada como esporte especialmente nos países árabes, na qual o Saluki é solto quando a ave indica presença de presa pela maneira como sobrevoa uma região e o cão, em disparada, vai até lá para fazer a perseguição”, relata Zorana.
Arquivo do canil Stenara. C„o: Stenara Afarim-Ahrkad

Atrás de lebre mecânica
Enquanto nos países árabes a criação de Saluki é quase totalmente voltada para a caça, nos Estados Unidos e na Europa a raça compete em agility e obediência, além de em corridas como a lure coursing (percurso com isca), em que cerca de dez cães perseguem uma lebre mecânica movimentada por roldanas. Os trajetos costumam variar entre 800 e 1.000 metros, com várias curvas acentuadas.

“São provas muito mais completas que as simples corridas e sem presença de apostadores, feitas para testar habilidades como velocidade, interesse na caça, persistência na perseguição, competitividade e, especialmente, habilidade para mudar de direção com rapidez e várias vezes seguidas”, ressalta Zorana. “Na Alemanha, há também uma apresentação em que a isca é atrelada a um cavalo e o cavaleiro, vestido de beduíno, evoca a origem desses cães”, conta a criadora alemã Meike Göbel.

Arquivo de Elen Michelette

Perfil comportamental
Grau de atividade: Correr, caminhar, praticar agility, brincar com outros cães são algumas das atividades que o Saluki ama praticar. Todo esse pique, mais intenso até aproximadamente os 4 anos, não o impede de acompanhar feliz o dono nos momentos mais sossegados, estendido em uma cama ou sofá, conforto que também aprecia muito.
Com a família: O Saluki pode até eleger um líder, mas demonstra afeição a todos da casa. E faz isso sem ser grudento. Ainda que não rejeite carinho, é aquele tipo de cachorro que fica por perto sem seguir por toda parte. “Meus Salukis sempre me festejam quando chego em casa, mas no dia a dia só buscam atenção de vez em quando, bem diferente de Labradores ou Goldens”, diz Zorana. A maneira mais comum de o Saluki pedir afagos é esfregar a cabeça na pessoa.
Com crianças: “Eu deixaria um bebê recém-nascido, despreocupadamente, ao lado de um Saluki, tamanha a delicadeza e leveza desses cães”, comenta Queiroz. “Mesmo sem serem tão brincalhões com a garotada quanto cães de outras raças, os Salukis costumam interagir bem com crianças com as quais cresceram, ainda mais se a diversão envolver corridas, como ocorre com os meus cães quando estão com os filhos dos meus caseiros”, comenta Zorana.
Com pessoas de fora da casa: O comportamento mais natural do Saluki com desconhecidos é se manter reservado. “Em geral, mostra-se introvertido, ainda que alguns exemplares mais afáveis e dóceis possam receber as visitas com festa”, comenta Queiroz. “Já vi Saluki arredio, desconfiado, curioso ou amistoso no primeiro contato, mas a reação mais comum é de indiferença”, concorda Zorana. Quanto a atacar invasores, isso é muito raro na raça, não havendo qualquer recomendação para usá-la na guarda.
Com cães e outros animais: Em geral, o Saluki convive bem com cachorros, não importa o tamanho deles nem o temperamento. “Ainda assim, como convém fazer em qualquer caso de introdução de um novo membro, a apresentação deverá acontecer de forma gradual e assistida”, pondera Queiroz. Já com relação a animais de outras espécies, é necessária cautela diante da natureza caçadora desses cães. “Já mataram vários gatos que inadvertidamente entraram na minha chácara, bem como passarinhos, saguis e ratos, mas quando crescem junto com outros animais costumam se dar muito bem”, informa Zorana.

O quanto late: O Saluki não é bom de alarme. “É silencioso ao extremo”, garante Queiroz. “Um exemplar ladrador é definitivamente atípico”. Medeiros Neto conta que os Salukis dele não latem quando passam estranhos diante da propriedade, diferentemente dos cães de outras raças que ele tem. “Se depender do ruído, você nem percebe a presença do Saluki”, comenta Zorana. “Quando morei em apartamento com meu Saluki, o Dachshund da vizinha latia escandalosamente ao toque da campainha ou do interfone, ao contrário do Saluki, cujos ruídos máximos eram pequenos grunhidos, como forma de comunicação ou interação.”
Destrutividade: Em geral, mesmo sendo travesso na infância, o Saluki rapidamente se adequa às regras da casa. A necessidade de roer, comum na fase da troca de dentes, pode ser satisfeita com brinquedos para essa finalidade em conjunto com um ambiente que proporcione distração, como uma área espaçosa com presença de outros cães.
Obediência: Esse cão ficou na 43ª posição entre 79 no ranking de adestrabilidade do livro A Inteligência dos Cães, do comportamentalista canadense Stanley Coren, que avaliou 132 raças. O resultado indica nível médio de obediência. “Por um lado, é normal o Saluki atender a comandos simples do cotidiano como ‘não’ e ‘vem’; por outro, quando está solto em área externa, muitas vezes não adianta chamá-lo porque só volta depois de satisfazer a necessidade de correr”, exemplifica Zorana. “A raça é independente e não gosta de ficar treinando comandos”, resume Medeiros Neto.
Inteligência: Os consultores consideram extrema a esperteza do Saluki. “Abre portas facilmente, seja empurrando-as para frente, seja puxando a maçaneta, tanto que, na minha casa, tive de colocar todas as maçanetas na vertical”, exemplifica Zorana. Ela acrescenta: “Precisei também instalar um dispositivo de rosquear no portão senão os Salukis o abriam.” Zorana relata ainda que, ao ouvirem uma única vez o nome de um objeto, são capazes de memorizá-lo. “Na segunda vez que digo ‘ossinho’, por exemplo, vão pegá-lo e não outro objeto qualquer”, diz.

 

Arquivo de Elen Michelette

 

Cuidados
Banho e escovação: Muito limpo por natureza e praticamente sem cheiro, o Saluki exige pouca manutenção. Zorana e Queiroz gostam de escovar as franjas longas das orelhas e da cauda de seus Salukis uma vez por semana, bem como os pelos entre os dedos, usando escova de pinos de metal sem bolinhas na ponta. Por ocasião dos banhos, que os três consultores têm o hábito de dar mensalmente, passam luva de borracha durante a secagem, na parte do corpo com pelagem curta, para tirar os pelos mortos.
Exercício: Os filhotes de Saluki têm muita energia e precisam gastá-la. “Desde a tenra idade, adoram correr”, diz Zorana. “Se o local onde o Saluki mora for pequeno, como um apartamento, é bom sair para passear e deixá-lo correr solto em algum lugar seguro três vezes por dia enquanto for jovem; já a partir dos 4 anos pode ser suficiente sair com ele duas vezes por dia”, acrescenta. “Atendida essa exigência, o Saluki vive muito bem em apartamento”, garante Medeiros Neto.
Piso: Zorana alerta que é preciso evitar a todo custo manter o Saluki em chão escorregadio. “Grama, areia ou mesmo cerâmica antiderrapante são os pisos mais indicados”, orienta ela. Por terem peito bastante profundo, com pelagem mais curta e rala nessa região, esses cães são propensos a formar calos nela, principalmente se forem mantidos onde o piso é muito áspero como acontece com os cimentados rústicos. “Convém, portanto, que tenham lugar macio para se deitarem”, orienta Medeiros Neto.
Torção gástrica: Como toda raça de porte grande, o Saluki está sujeito à torção gástrica (súbita rotação do estômago que pode levar à morte). Para evitá-la, divide-se a refeição em duas porções diárias e, depois de a comida ter sido ingerida, resguarda-se o cão por uma hora da prática de movimentos que chacoalhem o estômago. “Adoto o resguardo por prevenção e nenhum dos mais de 30 Salukis que já tive sofreu torção gástrica”, comenta Medeiros Neto.
Saúde
Foi de 12 anos a média de vida de 132 Salukis analisados em 2006 pelo The Kennel Club (TKC), principal organização cinófila do Reino Unido (o exemplar que mais viveu alcançou 16 anos e 4 meses). A causa da morte de sete desses cães (5,3%) foi trauma, na maioria das vezes por atropelamento. “Esse é um risco a que fica sujeito todo Saluki que corre solto, veloz como bala”, alerta Zorana. Para evitar fugas e possíveis tragédias, ela aconselha não permitir acesso a portões ou janelas abertos, tampouco deixar que crianças pequenas o conduzam na guia – por ser grande, o Saluki pode escapar com facilidade. “Além disso, só se deve deixar esse cão solto em local cercado, cujo sistema de contenção tenha pelo menos 1,5 metro de altura e esteja livre de carros em movimento”, completa a criadora.
O estudo do Reino Unido detectou também que os males mais frequentes em 93 Salukis vivos avaliados foram de coração, com incidência de 17,2% (16 casos). A maioria tinha cardiomiopatia dilatada. “O problema afeta algumas linhas de sangue e, quando se manifesta, provoca morte súbita”, informa Zorana, que esteve em um congresso mundial sobre Salukis realizado na Finlândia em 2008. “Problemas cardíacos da raça e sua relação com a genética mereceram abordagem especial no encontro”, comenta. Para alívio dela, nenhum dos ancestrais de seus Salukis, até seis gerações, apresentou ocorrência de cardiomiopatia dilatada.